IEC | Pós-graduação lato sensu PUC Minas

número 135 | 07/11/2022 a 31/12/2022

Fala, Professor!

O uso da tecnologia e o futuro na área de gestão de pessoas

Sandro Marcio é administrador, especialista em Gestão Estratégica de RH e coordenadoer de cursos na área de pessoas do IEC PUC Minas. Tem pesquisado sobre os processos de digitalização da empresa e da área de “Gestão de Pessoas” com maior atenção para: 1) integridade, cultura e governança; 2) impactos da Indústria 4.0 sobre a carreira; 3) trabalho anywhere office e; 4) O futuro do trabalho.

 

1. Quais são os maiores desafios no uso de tecnologia na área de gestão de pessoas?

Creio que são vários os desafios. Na medida em que a tecnologia vai oferecendo mais possibilidades, os profissionais vão refinando o seu gosto e ampliando a qualidade da demanda, exigindo cada vez maiores possibilidades e maiores opções de escolha. Isto às vezes é um problema, porque para valer a pena a tecnologia tem que ser utilizada em alto volume, para que seja escalável. O desenho das aplicações individuais de cada um, todavia, é inviável. Mas percebe-se que as tecnologias vão se aprimorando em termos de customização massificada.

Outro ponto é a própria habilidade do usuário. Via de regra os profissionais de RH não são, na organização, os mais afeitos à tecnologia. Há alguns, inclusive, que vêm no uso da tecnologia um problema, entendendo que "tecnologização" (será que existe esta palavra?...) não combina com "humanização". É uma questão quase que religiosa. Uma crença limitante que, por vezes, pode inviabilizar o melhor aproveitamento das possibilidades oferecidas pelas tecnologias. Mas o crescente número de possibilidades e o fato de elas serem gratuitas ou de custo muito baixo tem permitido a ampliação do seu uso. Os desenvolvedores estão cada vez mais interessados em gerar boas experiência para os usuários.

Entendo, portanto, que o maior e melhor uso de novas tecnologias por parte de profissionais da "Área de gestão de pessoas" está aumentando. Cada vez mais o profissional da área de Gestão de Pessoas vai compreendendo que o melhor uso da tecnologia ajuda a reduzir a necessidade de gasto de tempo e energia em atividades burocráticas e operacionais, liberando-o para um melhor cuidado do ser humano.

2. O que o futuro reserva para a área de gestão de pessoas?

Vez por outra escutamos por ai que a área de Gestão de Pessoas vai acabar. Discordo frontalmente deste ponto de vista, por algumas razões. A primeira delas é que para que a área acabasse outro agente precisaria assumir este papel. Este agente, por vários motivos, seria o seu gestor direto. E, dizendo com tranquilidade, boa parte dos nossos gestores ainda estão tentando se organizar na função de gestores. A mudança de uma posição técnica para uma função gerencial é um fenômeno complexo e, via de regra, pouco assistido. O resultado é que muitos profissionais fazem esta transição sem que tenham as necessárias características para isto. Alguns deles se saem bem pelas características que desenvolveram em outras experiências, outros lutam bastante e outros estão em zona de sofrimento. Só ficam naquela posição porque não há um sistema de avaliação capaz de detectar sua incompatibilidade com a função e não pedem mudança de função pela questão salarial. Afinal, a promoção é uma das poucas possibilidades de melhoria salarial. Ele fica na posição certa pelas razões erradas. Se desgasta, é menos produtivo, desgasta desnecessariamente a equipe e, em muitas vezes, monta uma equipe de trabalho que não vem a ameaçar o seu posto. Logo, este profissional ainda precisa de uma longa jornada para que venha a ter condições de ocupar o espaço de um "Gestor de pessoas". Ou seja, vida longa à área de Gestão de Pessoas.

Ainda sobre o futuro de gestão de pessoas, vemos que os profissionais que ocupam esta área estão passando por um tremendo processo de aprendizagem. Alguns estão mais confortáveis, outros nem tanto. A evolução tecnológica tem suprimido, cada vez mais rápida e intensamente, a necessidade de trabalhos operacionais e braçais. Na medida em que isto vai acontecendo, o perfil das tarefas e serem desempenhadas pela área vão migrando para maiores níveis de complexidade. Onde havia um "batucador de dados" agora precisa existir um analista capaz de interpretar um relatório, uma tabela ou um gráfico gerado automaticamente pelo sistema e tomar decisões com base nesta nova fonte de informação. Nem todos reúnem as caraterísticas para esta nova função que é mais nobre, mas também mais complexa, exige mais visão sistêmica e pensamento voltado para o futuro.

Fechando aqui esta discussão, mas claro sem esgotar o assunto, defendo que para o futuro a existência e relevância da área de Gestão de Pessoas vai depender, entre outras coisas, da adoção de uma nova maneira de pensar e constituir a equipe da área de Gestão de Pessoas. Ainda é comum vermos anúncios de vagas para a área de Gestão de Pessoas que pedem somente psicólogos com CRP ativo. Nada contra contratar psicólogos com CRP ativo, porque a maioria dos testes psicológicos depende que o avaliador seja mesmo um psicólogo. É uma questão legal. Todavia, isto não significa que TODAS as vagas da área sejam preenchidas por psicólogos com CRP ativo. Além de existir outas funções onde esta condição não é necessária, há, cada vez mais, na área de Gestão de Pessoas a demanda por profissionais que dominem outras competências, não necessariamente comuns aos psicólogos. Uma tendência da área de Gestão de Pessoas é o uso da tecnologia para as funções de gestão de Pessoas e também um maior uso das tecnologias nas atividades operacionais, processos e produtos das empresas. Se a área não for sensível aos impactos destas novas tecnologias no negócio atual e futuro da empresa ela terá alguma dificuldade para as necessárias mudanças no desenho do perfil do cargo, do treinamento e desenvolvimento, na remuneração e benefícios, nos exames médicos e psicológicos para encontrar o perfil adequado ao novo desenho de negócio. O desafio tende a ficar cada vez mais divertido.

3. Como as organizações podem se adaptar melhor às mudanças tecnológicas e demandas do mundo pós-pandemia?

Creio que o primeiro passo seja encarar que quanto maior o investimento em tecnologia maior a relevância do investimento nas pessoas que ficaram nos cargos remanescentes. Os cargos que ficam são os mais complexo e com maiores implicações sistêmicas. Os cargos que restarem terão maior atuação sobre maior número de etapas dos processos. Tudo que eles fazem, como, por exemplo, programação de computadores que vão operar o regime de indústria 4.0, vão gerar resultados mais rapidamente e mais sistemicamente. Erros desta ordem de grandeza podem gerar inúmeros prejuízos não só em temos de produtividade, mas também em termos de riscos de acidentes, danos ambientais, etc. A automação dos processos reduz as barreiras de defesa destes tipos de fenômenos.

Dito isto, a gestão das pessoas precisa, e esta afirmação não é nova, tomar os investimentos em todas as etapas do processo de gestão de pessoas como "investimentos", e não somente como custos, como tem sido. Um bom investimento em gestão de pessoas começa com a escolha de pessoas com maior fit cultural com a empresa, facilitando sua adaptação e compreensão do negócio, e com maior capacidade de aprendizagem. Dada a dinâmica da evolução tecnológica e, consequentemente, dos negócios, a capacidade tanto individual quanto organizacional de aprendizagem é infinitamente mais importante do que a proteção do conhecimento já existente.

Outra demanda a ser atendida é a abertura da empresa para a inclusão de pessoas de diferentes características religiosas, de gênero, raça e orientação sexual. O mercado é diverso. Contém pessoas de todas as características. Ter na sua empresa pessoas de diferentes características vai ampliar sua capacidade de compreender melhor as demandas do mercado, bem como a melhor forma de supri-las.  Os desafios não são nada triviais. Nunca precisamos mudar tantas coisas ao mesmo tempo com tanta restrição de prazo.

4. Como as Empresas podem atuar na criação de ambientes saudáveis para os colaboradores e devem atuar para a manutenção da saúde e da felicidade dos funcionários?

Se quiser, de fato, criar um ambiente saudável, como muitas dizem, contribuindo para a saúde (isto é muito importante) e para a felicidade (aqui acho que a tarefa é muito grande e não se resume ao que a empresa faz...) dos funcionários.

Compreendo que a parte da empresa é prometer o que pode cumprir e cumprir o que prometeu. Vivemos uma crise de confiança, não só pelo momento pelo qual passa o país, mas pelo próprio legado cultural deixado pela nossa história... Vivemos ¾ da nossa história sob o regime da exploração e da escravidão. Com isto a nossa relação "quem manda" x "quem obedece" ficou muito fortemente influenciada pelo excesso de poder e pela coisificação das pessoas. Naquele tempo dava muito mais prejuízo matar um boi ou um cavalo do que matar um escravo. Na falta de algum movimento ou revolução capaz de impactar decisivamente neste conjunto de crenças e valores que foi gestado na escravidão, nossas relações ainda carregam muito daquela forma de relacionamento.

A solução para isto passa, como em qualquer tratamento de saúde mais sério, pelo reconhecimento de que estamos doentes. Doentes na percepção do outro como um ser humano igual. Doentes ao discriminar outras pessoas por conta da sua cor, da sua raça, pela incompletude do seu corpo físico ou pela sua orientação sexual.

O reconhecimento deste estado de coisas, associado, naturalmente, a conversas, discussões, reflexões, além de elaboração e acompanhamento de planos de ação (sim, é preciso disciplina, energia vindo de fora para dentro, para ajudar organizar o que ainda não existe de dentro para fora). Afinal, poucos de nós nascera, com aquela vontade interna e absurda de escovar dentes, de pentear cabelo, de tomar banho, etc. Alguém teve que ajudar neste processo, normalmente suprimindo, educativamente, por um período da infância, o nosso livre arbítrio.

Somos crianças se tomados como sociedade. Ainda estamos conversando sobre critérios, estamos vendo que nem tudo está gerando um resultado bacana e algumas coisas precisam ser feitas de maneira diferente. A custa de algum sofrimento estamos aprendendo a falar o que nos vai por dentro, a conversar para entender o ponto de vista do outro, e, a consistentes passos de tartaruga, vamos construindo o tal do "mundo melhor" com o qual todos sonhamos. O ambiente organizacional é uma amostra representativa da nossa cultura organizacional, viva como ela o é. E seria um espaço menor, mais controlado, talvez mais adequado para a operação de mudanças tão relevantes.

Tratar qualquer um com o respeito e dignidade com a qual consideramos que merecemos. No processo seletivo avaliar com a melhor neutralidade possível, abrindo a todos o mesmo leque de oportunidades, comunicando com clareza e o mais rápido possível a evolução de cada um no processo seletivo. No processo de treinamento e desenvolvimento pensar na construção de seres humanos mais instruídos, consequentes, sistêmicos e responsáveis. No feed back das avaliações, pensar em cada subordinado como alguém que, entre 8 bilhões de pessoas no mundo, foi colocada ali sob a minha responsabilidade (porque ele?...). No desligamento, pensar que aquele indivíduo talvez tenha entrado, por meio dos processos que minha própria empresa criou, pela porta errada. E agora precisa reencontrar seu caminho.  As empresas são um "pequeno mundo" onde podemos experimentar nossas teses de aprimoramento individual. E a consequência disso pode ser o ambiente saudável e criativo que as organizações estão procurando.

5. Como esse ambiente favorável contribui para o aumento da produtividade das equipes?

Com certeza. Assim como o uso da tecnologia não confronta a humanização, o uso de melhores processos e práticas de pessoas também não compromete a produtividade. Aliás, pelo contrário. No momento em que a tecnologia evolui e que com sua ajuda os cargos que restam passam a ter muito mais poder de atuar sobre a realidade, estas poucas pessoas que vão restar na operação de sistemas mais automatizados e com maior uso da tecnologia passam a ser ainda mais relevantes para o negócio da empresa, pois seu humor ou a falta dele podem ter impactos muito mais rápidos e abrangentes em ambientes automatizados.

A humanização não só é uma possibilidade de aumento de competitividade como também tem feito, cada vez mais, parte da agenda dos investidores nacionais e internacionais. A pauta ESG, que significa Environment, Social and Governance, tem sido cobrada como pré-requisito nos processos de merger & aquisition e da compra de ações por parte destes investidores. A ausência de preocupação com o ESG tem, concordemos ou não, gostando ou não, tirado algumas empresas do radar destes investidores. Assim como pais ou mães que educaram crianças, tirando-lhes o livre-arbítrio e fazendo uso da disciplina em nome da construção de hábitos mais saudáveis, os investidores têm oferecido, de fora para dentro, elementos para a mudança de comportamentos que ainda não encontraram energia para vir de dentro para fora. A evolução não é uma opção.

Só se pode escolher o caminho: ou pelo amor ou pela dor.

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Boletim produzido pela Assessoria de Comunicação da Diretoria de Educação Continuada da PUC Minas

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