IEC | Pós-graduação lato sensu PUC Minas

número 128 | 23/08/2021 a 15/10/2021

Fala, Professor!

Universidade para poucos?

Entrevista com o professor Teodoro Zanardi*

Milton Ribeiro é Ministro da Educação do governo Jair Bolsonaro desde julho de 2020. Em entrevista à TV Brasil, o ministro da Educação, Milton Ribeiro, afirmou "universidade deveria, na verdade, ser para poucos, nesse sentido de ser útil à sociedade". Após críticas a esse posicionamento, segundo o jornal Folha de São Paulo, em sua versão online do dia 17 de agosto, o ministro tentou se explicar e disse que sua fala foi retirada de contexto.  Para entendermos o impacto desse posicionamento do ministro da Educação, o professor Teodoro Zanardi, especialista na área de educação respondeu algumas questões. Confira:

A quem pode interessar um país com a formação universitária para poucos?

Nosso ensino superior nunca foi para muitos e não o é nos dias atuais. Continuamos sendo extremamente seletivos e as condições econômicas são relevantes para acesso e permanência no ensino superior. As políticas de ampliação de vagas e cotas têm possibilitada uma maior diversidade nas universidades, mas distante do que temos em vizinhos como Argentina, Bolívia e Chile, por exemplo. Interessa um sistema seletivo à manutenção de privilégios justificados pelos estudos no ensino superior que a camada mais rica da população já consolidou ao longo das décadas.

 

A formação do sujeito de direitos passa pela Universidade. Qual a sua avaliação da fala do ministro nesse contexto, levando em consideração a desigualdade do Brasil?

O Ministro revela todo o seu preconceito sobre um ensino superior que seja direito de todos. Sua proposta é, como a ajuda da educação, acentuar as desigualdades. Ora, se a educação sozinha não reduz as desigualdades, ele tem um papel importante na compreensão desta mazela e pode nos ajudar a lutar contra ela.

 

Em sua fala, o ministro da educação cita a precarização do emprego e falta de vagas para pessoas qualificadas. Qual deveria ser o caminho para esse questionamento?

A precarização do emprego e a falta de vagas dizem muito mais sobre as políticas econômicas do que sobre a educação. Formar para a subalternização é um instrumento muito utilizado no receituário neoliberal e excludente adotado por este governo. A luta deve ser pela construção de uma sociedade em que todos tenham os direitos contidos na Constituição de 1988 e tratados de direitos humanos que nos garante uma vida digna. O Ministro deveria buscar articular a educação com estes direitos e não colocar a precarização como um destino inevitável.

 

Ribeiro afirma que as 'vedetes' do futuro serão os institutos federais, capazes de formar técnicos. Qual o papel do ensino técnico na sua opinião? Essa perspectiva de competição em relação à universidade está correta?

O ensino técnico é importante e deve ter o investimento compatível com a sua importância. No entanto, ele não é antagonista da universidade. Da mesma forma que antes se falava “ou investimento da educação básica ou no ensino superior”, agora temos esta falácia de escolhas que devem ser feitas. É necessário ampliar o investimento e as vagas no ensino técnico para que este tenha a qualidade necessária para atender à população e, também, no ensino superior.

 

"Tem muito engenheiro ou advogado dirigindo Uber porque não consegue colocação devida. Se fosse um técnico de informática, conseguiria emprego, porque tem uma demanda muito grande", disse Ribeiro. Essa colocação não deveria ser feita ao ministro da economia? Como o senhor avalia essa precarização do emprego citada pelo ministro?

Novamente, o Ministro traz uma imagem que corresponde à realidade, mas finge não ser de sua alçada a construção de soluções includentes. Obviamente, quem cursa o ensino superior projeta uma carreira profissional na área. Ao não ter a colocação sonhada, é necessário buscar meios para a subsistência pela necessidade. Não é uma escolha e nem há relação com uma formação deficitária. O que temos é uma sociedade que impõe ao sujeito a submissão ao trabalho precarizado em razão de escolhas econômicas realizadas por este governo. Não há vagas para milhões de pessoas, que demandam um trabalho para a realização de uma vida digna, e o Ministro aponta para a qualificação em nível superior o problema. Elo contrário, mais educação é a solução para, inclusive, superarmos políticas econômicas que colocam uma grande parte da população na miséria.

 

Universidades, segundo o ministro, não são tão úteis à sociedade. Quais as principais contribuições de uma Universidade à sociedade que desmontam essa afirmação?

 Fica cada vez mais clara a contribuição da ciência à sociedade nos tempos em que nós vivemos. Isto é indiscutível! A ciência é o objeto do estudo no ensino superior e proporciona uma compreensão da realidade e a intervenção na mesma para melhoria da vida das pessoas. Não há desenvolvimento sem universidade. A utilidade do conhecimento no ensino superior nem sempre estão atrelados a uma necessidade imediata, sendo necessário indagar o que para o ministro é útil. Pensar em um governo que nega as ciências humanas, da natureza, exatas e as linguagens, é pensar nesta fala desastrosa.

 

Iniciativas do governo federal em gestões anteriores, como o PROUNI e FIES indicam melhora na mobilidade social de milhares de pessoas. Como o senhor avalia essas políticas e o papel do governo federal como agente responsável pela democratização da educação?

O estado tem a responsabilidade pela realização dos direitos fundamentais e é protagonista na implementação de políticas públicas neste sentido. A ampliação de vagas é um importante instrumento para a democratização do ensino superior. Já os mecanismos de financiamento e as cotas incrementam este processo. No entanto, tudo isso, apesar de fundamental, é insuficiente para superarmos o gargalo existente com a competição pelas vagas, especialmente, as vagas gratuitas. A conclusão do Ensino Médio deveria ser a porta de entrada para o Ensino Superior como ocorre na Argentina. Aí sim, teríamos um processo de democratização e revolucionário no acesso à Unviersidade.

 

Teodoro Zanardi possui graduação em Direito e Pedagogia, Mestrado em Direito Privado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Doutorado em Educação (Currículo) pela PUC São Paulo e Pós doutorado em Educação pela Universidade de Colônia. Professor do Programa de Pós-graduação em Educação da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Atuou como consultor da UNESCO na implantação da Educação Integral no Ensino Médio na Rede Estadual de Minas Gerais. Membro da Rede Freireana de Pesquisadores. Editor-chefe da Revista @rquivo da Educação Brasileira. Tem experiência na área de Educação, com ênfase no campo do currículo, educação integral, ensino médio e pedagogia freireana. Comentarista semanal da Rádio CBN - BH como colunista do quadro "Escola da Vida".

Professor Teodoro Zanardi, especialista em educação.
Professor Teodoro Zanardi, especialista em educação.

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