IEC | Pós-graduação lato sensu PUC Minas

número 126 | 01/04/2021 a 30/05/2021

Opinião

O professor Thiago Teixeira, do departamento de Filosofia da Universidade, analisa o episódio de silenciamento da artista Crioula e as investidas contra a obra Hibrida Astral - Guardiã Brasileira. A obra faz parte do projeto do Circuito Urbano de Arte (Cura).

CIDADE PRA QUEM?

O professor Thiago Teixeira, do departamento de Filosofia da Universidade, analisa o episódio de silenciamento da artista Crioula e as investidas contra a obra Hibrida Astral - Guardiã Brasileira. O mural, que corre o risco de ser apagado em BH, permite o debate sobre a estética ligada às minorias e o direito à cidade. A pintura de 1.365 metros quadrados mostra uma mulher negra, com uma cobra atravessando o ventre e um útero, na lateral do Condomínio Chiquito Lopes, na região central da capital mineira. A obra faz parte do projeto do Circuito Urbano de Arte (Cura).

Por vezes, as discussões que se voltam contra o racismo são deslocadas do seu propósito real ou esvaziadas por posições que, ao não localizarem os sujeitos, seguem alimentando as rotas de violência e precarização das vidas negras, em sua pluralidade. Localizar sujeitos, compreender os modos entrecortados pelos quais as violências são essencializadas e denunciar os sistemas estruturais e estruturantes de vulnerabilização de vidas demonstra o quanto estamos realmente interessados e interessadas em alterar o status quo.  No instante em que nos curvamos às lógicas de poder que gerenciam os espaços sociais, políticos, econômicos, estéticos e epistêmicos, lançando à margem corpos e narrativas negras, nos mantemos inertes às gestões bélicas de mundo.

Por isso, discutir como os espaços sociais são produzidos é perceber que as ocupações ou não ocupações dos lugares, o que vai ser reconhecido ou não como arte nos espaços da cidade e, mais, o que vai ou não vai ser sustentado como belo, depende dos critérios vinculados aos parâmetros de subjetividade, gosto e legitimidade, retroalimentados pelas engrenagens de poder que se beneficiam do apagamento de todas as expressões descentralizadas de suas presenças.

            O racismo, como nos ensina, Grosfoguel, se materializa como um “princípio constitutivo ou uma lógica estruturante de todas as configurações sociais e relações de dominação da modernidade” (2020, p. 59). A reverberação dessa lógica, como memória e ventilação dos parâmetros coloniais, circula pelo nosso imaginário, a fim de hierarquizar produções e desautorizar as investidas de pessoas negras nas cenas urbanas, suas intervenções artísticas e capitais culturais e intelectuais. A tentativa de silenciamento da artista Crioula e a perseguição em relação à sua obra Híbrida Astral – Guardiã Brasileira, demonstra como a produção de mulheres negras está constantemente cerceada pela norma e pela memória colonial.

Questão de gosto?

            Algumas pessoas podem dizer, no entanto: “mas isso é uma questão de gosto”! Então, nós precisamos pensar se o gosto é algo essencial, inato e independente dos processos políticos, sociais e politicamente produzidos. Tratar do belo e dos seus opostos é considerar como as nossas percepções são afetadas pelas narrativas que as circunscrevem. Assim, as discussões estéticas, circulam os processos pelos quais as nossas percepções são produzidas. A estética é uma palavra “originária do grego aisthesis, significa genericamente, percepção ou sensação”. (JOICE BERTH, 2020, p. 112).  Nesse sentido, as reflexões que se consolidam nesse âmbito revelam como as nossas percepções são modeladas a partir dos critérios, parâmetros e clivagens que determinam o que é e o que não é palatável aos sentidos.

            Se o racismo, junto a outros eixos de violação entrecortados como a misoginia e o classismo, por exemplo, gerenciam os espaços políticos, simbólicos e objetivos, devemos considerar o quanto as nossas percepções são calibradas para refutar como belo o que é apresentado pelos corpos lidos e anunciados como dissidentes. É importante, no entanto, que o nosso compromisso ético e de reavaliação dos sentidos e da materialização dos espaços, na cidade, seja embebido de crítica e de uma percepção que se desgarra dos interesses políticos narcísicos que se alimentam dos silenciamentos e das ausências.

 

Referências:

BERTH, Joice. Empoderamento. São Paulo: Sueli carneiro; Jandaíra, 2020.

GROSFOGUEL, Ramón. Para uma visão decolonial da crise civilizatória e dos paradigmas da esquerda ocidentalizada. In: Decolonialidade e pensamento afrodiaspórico. (Org.). COSTA; Joane Bernadino, TORRES, Nelson Maldonado, GROSFOGUEL, Ramón. Belo Horizonte: Autêntica, 2020.

 

Para saber mais:

Site do Circuito Urbano de Arte - www.cura.art

 

Boletim produzido pela Assessoria de Comunicação da Diretoria de Educação Continuada da PUC Minas

imprensaiec@pucminas.br | (31) 3131-2824