IEC | Pós-graduação lato sensu PUC Minas

número 116 | 25/11/2019 a 25/12/2019

Fala, Professor!

As diretivas antecipadas de vontade: a que se propõe tal documento?

Juliane Fernandes Queiroz 

 

Traçar considerações de âmbito jurídico sobre a morte e o processo de morrer configura-se tarefa árdua, tendo em vista o tabu culturalmente arraigado à sociedade brasileira.

Entende-se que os dois fenômenos – morte e vida – caminham intimamente conexos, apesar de as pessoas refutarem discussões de antecedência, que estabeleçam sua verdadeira diretriz sobre os procedimentos biomédicos que culminam ao momento em que a vitalidade dos órgãos não poderá mais ser reinstaurada.

As Diretivas Antecipadas de Vontade – DAV’s tratam-se de um documento de manifestação de vontade, registrado em cartório, pelo qual uma pessoa, com plena capacidade de discernimento, dispõe sobre tratamentos, cuidados e procedimentos médicos que deseja ou não deseja ser submetida quando estiver em estado terminal, em estado vegetativo permanente, ou com uma doença crônica incurável, impossibilitado de manifestar sua vontade livre e consciente. Poderá, ainda, dispor neste documento, acerca da designação de uma pessoa de sua confiança para atuar nas decisões dos procedimentos de saúde, em seu nome, quando não mais estiver em condições de manifestar sua vontade.

As grandes transformações sociais ocorridas na seara das relações entre profissionais da saúde e pacientes foram determinantes na caracterização de uma nova estrutura no Direito apta a garantir a autonomia do doente e, mais ainda, a dignidade da pessoa que tem o seu processo de finitude de vida estabelecido em um dado momento. O Código Civil Brasileiro garante esta disposição subjetiva da pessoa considerando as suas crenças e convicções individuais, em seu artigo 15: Ninguém pode ser constrangido a submeter-se, com risco de vida, a tratamento médico ou a intervenção cirúrgica.

O quadro de terminalidade surge quando se esgotam as possibilidades de resgate das condições de saúde do paciente e a possibilidade de morte próxima parece inevitável e previsível e, neste momento pode ocorrer que a pessoa não seja mais detentora de uma consciência para se manifestar sobre quais procedimentos deseja se submeter.

A incurabilidade da doença e a irreversibilidade do quadro fazem surgir questionamentos acerca do modo como os profissionais da saúde podem e devem atuar no sentido de manter, ou não, uma vida e do direito de autodeterminação dos pacientes diante do processo terapêutico a ser adotado.

O gênero documental de Diretivas Antecipadas da Vontade assumem duas espécies, que são: Testamento Vital e Mandato Duradouro. A diferenciação entre eles reside na manifestação específica dos procedimentos que deseja ou não para o seu tratamento. Assim, o Testamento Vital serve para que a pessoa declare nomeadamente quais intervenções estará disposta a assumir, tais como ventilação mecânica, ressuscitação cardiorrespiratória, diálise e outros procedimentos de uso de aparelhos artificiais para sustentação da vida e prolongamento da morte. Enquanto o Mandato Duradouro serve para designar uma pessoa, denominada Mandatário ou Procurador de Saúde, para que esta tome as decisões necessárias acerca dos procedimentos que deverão ser realizados no paciente, quando este já não mais puder exprimir a sua vontade.

Neste aspecto, é extremamente necessário, a fim de se atender à dignidade da pessoa humana – que é princípio constitucional – que se atenda também ao Princípio da Autonomia da Vontade do paciente, diretriz principiológica da Bioética. As DAV’s atuam no sentido de manter aquela pessoa, até que se finalize o seu processo de morte, em cuidados paliativos, garantindo-lhe dignidade de morrer, sem impor nenhum procedimento de suporte artificial de vida, que prolongue a sua doença incurável e em fase terminal.

Enfim, as DAV’s, seja no formato de Testamento Vital, seja na forma de Mandato Duradouro são documentos jurídicos que integram este cenário social na intenção de dar efetividade ao Princípio da Dignidade à pessoa em processo de morrer, dando amparo aos núcleos familiares para atender à vontade integral do paciente que se mostra impossibilitado em determinado momento, mas que já se antecipara, prevendo a possível incapacidade, e deixando os seus valores evidenciados por escrito, para garantia de atribuição da sua dignidade.

 

Juliane Fernandes Queiroz é professora de Direito de Família e Bioética da PUC Minas, Professora de Ética no Envelhecimento em Pós Graduação de Gerontologia e autora de livros na área de Direito de Família. Doutora pela UERJ em Direito Civil. Pós-Doutora pela Università di Torino – Itália, em Direito Privado e Biomédico.

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