IEC | Pós-graduação lato sensu PUC Minas

número 130 | 06/12/2021 a 01/02/2022

Destaque

Sorria, você está sendo manipulado

                Desde que Frances Haugen vazou documentos internos de sua ex-contratante, a cúpula do Facebook está abalada. Não são poucas as provas de que a empresa nada tem de neutra ou imparcial, por exemplo. Entre outras coisas, há documentos que comprovam que contas verificadas de celebridades, políticos e usuários de grande visibilidade são tratados de forma diferente pelas políticas de moderação aplicadas sobre seus conteúdos. Isso significa que o usuário comum tem muito mais probabilidade de ter um post bloqueado do que uma popstar da música ou um jogador da NBA, mesmo que o teor das mensagens seja a mesma. O caso, que ficou conhecido como Facebook Papers, coloca os algoritmos em pauta e levanta questões sobre o uso ético e responsável desse recurso.

                 Para tanto, é preciso pontuar algumas características deste tipo de plataforma, como o Instagram e o Facebook, que têm uma lógica de funcionamento pontuada pelo faturamento na venda de espaços publicitários. Ou seja, algoritmos e sistemas trabalham para que o usuário fique conectado a maior quantidade de tempo possível. Para que isso aconteça, um ambiente de consumo de conteúdo que se relaciona com aquilo que cada perfil deseja é criado e mantido.

                O ciclo é mais ou menos este, explica o professor Caio Cesar, coordenador dos cursos de pós-graduação em Comunicação Digital do IEC PUC Minas: “o usuário pesquisa um conteúdo e a rede trabalha para entregar conteúdos semelhantes na esperança de a pessoa interagir com o que foi entregue. Isso acontecendo, mais e mais conteúdo vai sendo mostrado. Assim, as plataformas garantem que as pessoas fiquem mais e mais tempo conectadas (vendo publicidade) e isso dá a elas faturamento”, conta.

                Entre as consequências desse comportamento, a formação das conhecidas bolhas são evidentes a partir do momento em que o usuário alimenta o ciclo mencionado acima. “Isso acaba fazendo com que o usuário tenha a falsa percepção de que o que ele vê é o que “todo mundo” está vendo ou falando”, conta Caio. Vale lembrar que o tempo gasto em plataformas digitais aumenta com o passar do tempo. Só no Instagram, os jovens brasileiros gastam cerca de 1h30 por dia. Todos os dias.

                 No documentário “O dilema das redes”, ex-funcionários falam sobre o propósito desses espaços de prender a atenção do usuário a qualquer custo. Para isso, usam recursos sofisticados de experiência do usuário e design e, assim, garantem que milhões de pessoas percam tempo em scrolls infinito nos feeds, passando raiva ou com vontade de consumir. Isso se relaciona com um dos maiores escândalos levantados por Frances Haugen: documentos provam que o Instagram sabia, por meio de pesquisas detalhadas, que o seu uso era prejudicial ao bem-estar de jovens, que se sentem inferiores ou menos esperançosos após acessarem o aplicativo.

                “Aqui reside a questão mais séria sobre o vazamento dos documentos, que é a compreensão de que as empresas envolvidas optaram por não alterar sua fórmula lucrativa de gerar conteúdo, mesmo sabendo dos malefícios que este comportamento pode causar às pessoas”, afirma Caio. Para ele, há a possibilidade de lucrar tanto quanto com conteúdos menos tóxicos, mas o que acontece é que os conteúdos que proporcionam uma reação rápida e intempestiva, normalmente, engajam muito mais. “São as tretas das redes, que explodem em várias bolhas diariamente”, confirma.

Saúde mental e ambiente on-line

                Márcia Stangel, professora do cursos de pós-graduação em psicologia do IEC PUC Minas, é taxativa ao afirmar que os algoritmos sabem identificar com precisão as fake news e/ou discursos de ódio, e que se eles ainda persistem, é porque são mercadorias valiosas para as redes, alimentando-a de forma bastante vigorosa.

            Para ela, o mesmo ocorre com os filtros e as alterações físicas que os programas de imagem hoje dão conta de proporcionar. Mesmo conseguindo identificar o uso desses artifícios, não há interesse das empresas de bani-los ou alterar a política de uso, pois eles são um sucesso. “O jovem, que passa em contato com corpos e rostos que não existem “de verdade”, acaba por se comparar com esse padrão irreal. Então, ele se frustra, se angustia e torna-se uma pessoa com um olhar distorcido em relação a si mesmo e ao outro”, afirma Stangel.

            Para ambos os especialistas, a forma de minimizar estes danos está no letramento digital, que deve ser assunto debatido em casa, no ambiente escolar, entre os jovens e os pais de crianças. “Conhecer os perigos das redes, seus objetivos e funções pode evitar muita dor de cabeça e garantir um pouco mais de saúde mental dos usuários”, afirma a professora.

            Além disso, os professores indicam outras formas de não ficar tão refém dos algoritmos: deixar de seguir perfis que postam conteúdos nocivos, denunciar postagens e não interagir com conteúdos prejudiciais. Cuidar de seus dados pessoais e de senhas, limitar a quantidade de tempo e selecionar quais as plataformas serão usadas e por quais motivos. “Menos estímulos pode significar mais qualidade de vida”, finaliza Caio. 

Boletim produzido pela Assessoria de Comunicação da Diretoria de Educação Continuada da PUC Minas

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