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Pesquisa desenvolvida pelo curador da Coleção Ornitológica do Museu de Ciências Naturais da PUC Minas, Marcelo Ferreira de Vasconcelos, descobriu parentesco entre as espécies de beija-flores Augastes scutatus e Augastes lumachella, conhecidos popularmente como beija-flor-de-gravata-verde e beija-flor-de-gravata-vermelha, naturais da Serra do Espinhaço e da Chapada Diamantina, com espécies nativas da Cordilheira dos Andes, do gênero Schistes. O artigo, intitulado Vicariant events in the montane hummingbird genera Augastes and Schistes in South America, foi publicado na revista científica Ibis –International Journal of Avian Science.
Marcelo Vasconcelos, que é doutor em Ecologia e estuda os padrões de distribuição de aves de topos de montanha há mais de duas décadas, desenvolveu a pesquisa em parceria com o Laboratório de Biodiversidade e Evolução Molecular da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Já havia suposição da comunidade científica a respeito do parentesco das espécies devido às semelhanças no padrão morfológico do bico e da cauda, além da plumagem. Entretanto, não havia comprovação científica. Para realizá-la, foi feito o sequenciamento do DNA, tanto nuclear quanto mitocondrial desses beija-flores, chegando à conclusão que tanto as duas espécies brasileiras como as espécies andinas são, de fato, parentes, mostrando conexão entre os dois extremos da América do Sul.
“O que nos surpreendeu mais foi que as datações moleculares mostraram que esses processos de diferenciação, ou seja, de especiação desse grupo, eram mais antigos do que o Pleistoceno, como se imaginava. Eles seriam do Mioceno, um período geológico bem mais antigo”, explica Marcelo, ao sinalizar que a descoberta contraria a hipótese inicial de que esses beija-flores evoluíram apenas por eventos associados a mudanças climáticas, tais como ciclos glaciais.
“Durante o Mioceno, o oceano Atlântico penetrou pelo menos três vezes no continente e, onde hoje temos a região do Pantanal e dos Pampas, grande parte foi alagada pelo que eles chamam de transgressão marinha, que é essa invasão oceânica. Juntamente, o soerguimento da Cordilheira dos Andes causou um processo de aridificação, ou seja, uma secura na parte central da América do Sul. Então, isso também pode ter sido uma barreira geográfica separando, juntamente com esse mar interiorano, as populações de beija-flores ancestrais do norte dos Andes das do Espinhaço. É algo muito mais antigo do que se imaginava”, explica.
A descoberta também explica a diferenciação entre as duas espécies brasileiras. “No caso dos dois beija-flores da Cadeia do Espinhaço, é que os dois têm um tempo de diferenciação mais ou menos de três milhões de anos, então, há muito tempo esses bichos já sofreram esse processo de diferenciação e muito possivelmente isso está ligado com o soerguimento do Planalto brasileiro, ou seja, houve um aumento de altitude no planalto brasileiro que também causou mudança nas condições climáticas da região, também podendo ter atuado no isolamento de populações ancestrais nas partes mais elevadas (e úmidas) de nossas serras”, explica Marcelo.
“O que foi uma surpresa foi o tempo tão antigo que essa história nos conta, muito mais antigo que a gente poderia imaginar, mostrando como esses eventos ocorridos na antiga paisagem sul-americana, junto com mudanças climáticas, são importantes para moldar os padrões de distribuição dessas espécies”, afirma o pesquisador, que destaca a raridade dessas aves. “São como se fossem nossos mascotes, por estarem associados a nossas serras”, revela.
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