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Gastar mais tempo que o habitual em uma tarefa do trabalho, não conseguir se dedicar ao hábito da leitura... São inúmeros os exemplos de como a falta de concentração afeta a vida tanto profissional quanto pessoal. Os estímulos ao longo do dia, como mensagens instantâneas, notificações de redes sociais e excesso de notícias – nem sempre boas – contribuem para a perda do foco.
Conversamos com o psiquiatra e psicanalista Saulo Luiz Carvalho Silva sobre a dificuldade em se concentrar. O professor do Curso de Medicina falou sobre as causas biológicas e sociais desse problema e também sobre hábitos que possam estimular o foco.
Acompanhe na entrevista abaixo.
Os exemplos de como a falta de concentração afeta a vida das pessoas são muitos. A que podemos atribuir essa dificuldade para realizar tarefas rotineiras?
Trata-se de uma combinação que nos deixa expostos a um excesso de estímulos, informações e impulsos que, nas palavras do filósofo sul-coreano Byung-Chul Han, autor do livro A Sociedade do Cansaço, “modifica radicalmente a estrutura e a economia da atenção” impondo-nos um mundo multitarefa.
Do ponto de vista biológico, o que é a dificuldade de se concentrar? O que acontece no nosso corpo que impede a realização de atividades de forma focada?
É interessante notarmos que, quando desenvolvemos a capacidade da atenção, a habilidade de focar, consentimos, na verdade, não com um ganho, mas com uma perda. Para concentrar o foco em algo específico é preciso deixar de estar vigilante à multidão de estímulos vindos tanto do mundo externo quanto do mundo interno que nos assediam continuamente. Trata-se de uma aquisição que nasce da perda e que pode ser pensada em termos evolutivos. Como percebe Byung-Chul Han, os animais selvagens não tem a capacidade da atenção profunda, contemplativa, porque têm de estar todo o tempo hipervigilantes diante das inúmeras ameaças que os cercam. Eles sim são seres que precisam ser multitarefas: tem de estar continuamente atentos à prole, aos parceiros, à escassez de comida e aos predadores. Já o ser humano, que dominou seu ambiente através da aquisição de seu novo grande instrumento, a linguagem, pode “mergulhar contemplativamente no que tem diante de si”, trocando a hipervigilância multitarefa pela atenção detida e demorada.
Essa dificuldade de se concentrar pode ser sintoma de algum transtorno mental, como a ansiedade ou estresse, por exemplo?
A dificuldade de concentração pode ser, sim, indício de um adoecimento psíquico, como frequentemente ocorre, por exemplo, nos casos de Transtorno de Ansiedade Generalizada (TAG) ou mesmo na depressão. No entanto, acho pertinente que, antes de colocarmos a culpa no nível do indivíduo, nos perguntemos em que medida o boom de diagnósticos como o de Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) não evidencia, antes, um adoecimento do corpo social. Vivemos contemporaneamente em um arranjo social em que há um excesso de estímulos, um imperativo constante de produtividade e rendimento e um desprezo pelo silêncio e pela contemplação. Uma sociedade na qual até mesmo o ócio tem de ser criativo, criando uma configuração que pede por um tipo de atenção dispersa que consinta em passear sem muita delonga pela infinidade de informações que nos chegam a cada minuto.
Como saber se a falta de concentração é algo patológico ou apenas uma questão de adequação de hábitos e rotina?
A rigor, somente a avaliação por um bom profissional, que ofereça uma escuta atenta, pode ajudar a clarear essa fronteira muitas vezes obscura entre o normal e o patológico. No entanto, uma boa dica pode ser a de percebermos se a distração acontece de forma mais uniforme, em quase todos os aspectos da vida e em quase todos os momentos do dia, ou se ela é mais restrita a alguns contextos específicos. Quando há uma patologia em curso, é bastante provável que a concentração – assim como a memória e a motivação – estará globalmente prejudicada. Por outro lado, a falta de concentração pode ser, na verdade, indício da falta de motivação com uma atividade específica. Assim, seria injusto patologizarmos, por exemplo, um sujeito que se sente desmotivado com seu trabalho – e que, por isso, não rende como pode – sem nos atentarmos para as dinâmicas de trabalho que frequentemente não encontram ressonância com os desejos mais íntimos daquele sujeito singular.
Quando é necessário buscar ajuda médica?
No contexto dos sofrimentos psíquicos, penso que ganharíamos mais se as pessoas procurassem primeiramente um terapeuta. Os psicólogos, sobretudo, são profissionais capazes de oferecer ajuda adequada à maioria dos casos, bem como de identificar aqueles que irão precisar de intervenção farmacológica, essa sim prerrogativa do profissional médico. No meio psicanalítico costuma-se brincar dizendo que nem todas as pessoas precisam passar por um processo de análise, mas que todas mereceriam.
Quais hábitos podemos adotar no dia a dia para atenuar este problema?
Sobretudo se conhecer e respeitar seus limites e seus ritmos. Como exemplo, cada pessoa precisará dormir uma certa quantidade tempo para se sentir reparada ao longo do dia. Algumas precisarão de apenas cinco ou seis horas de sono, outras precisarão de mais de dez. Acredito que manter certos ritmos e rituais nos ajudam a escapar do excesso de estímulos: ter horários definidos para acordar e para dormir, fazer pausas mais longas durante as principais refeições, se desplugar do mundo on-line ao final da jornada de trabalho, etc.
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