Relato de viagem


Dom Walmor, Papa Bento XVI e Dom Mol

Reitor da PUC Minas detalha momentos da visita ad limina ao Vaticano, durante o mês de junho.
        
         Entre os dias 6 e 21 de junho, juntamente com nosso arcebispo e grão-chanceler da PUC Minas, Dom Walmor Oliveira de Azevedo, estive no Vaticano, onde vivenciamos a alegria e riqueza de participar da visita ad limina apostolorum. O sentido da visita é estreitar a comunhão entre os bispos e dos bispos visitantes com as Congregações (dicastérios) centrais da Igreja, que são dirigidos por cardeais. Além da comunhão se procura aprofundar em cada um dos dicastérios os principais temas que envolvem a vida eclesial e o mundo atual. É importante lembrar que o instrumento que melhor prepara a visita é o completo relatório que cada diocese envia ao Vaticano, um ano antes. O relatório da Arquidiocese de Belo Horizonte continha mais de 1.000 páginas.
        
         O ponto alto da visita, entretanto, é o duplo encontro com o Papa Bento XVI: uma audiência conjunta e uma audiência particular. É fácil concluir que são dias de intensos trabalhos, que exigiram muita preparação. Lá estivemos os bispos do Regional Leste 2 da CNBB, que abrange os estados de Minas Gerais e Espírito Santo.
        
         No segundo dia de nossa visita, já tivemos o primeiro encontro com a Pontifícia Comissão para a América Latina, na qual aprofundamos as aplicações do Documento de Aparecida, do magistério do episcopado latino americano e caribenho. A reunião foi presidida por Dom Octavio Ruiz. 

Neste mesmo dia fomos ao Colégio Pio Brasileiro, onde ficam os padres brasileiros que estudam em Roma em nível de mestrado e doutorado. Já no dia 8, às 7h30, celebramos a eucaristia, com minha co-presidência, na cripta de São Pedro, que se localiza no piso abaixo da Basílica de São Pedro. É uma experiência memorável e única. Neste lugar especial, pude fazer uma oração por todos, incluindo os colegas da PUC Minas, os gestores, professores, funcionários e alunos.

Ainda neste dia, na parte da tarde, tivemos os trabalhos na Congregação para a Doutrina da Fé, na qual o relator foi Dom Walmor, como presidente deste setor na CNBB, que abordou questões fundamentais, tais
como o estudo e o ensino da teologia hoje, os desafios e as exigências de sacerdotes que sejam pregadores da Palavra e educadores da fé e da moral da Igreja.
        
         No dia 9, além dos estudos internos no próprio Regional, buscando a reverberação dos assuntos tratados, tivemos a oportunidade de participar da audiência pública com o Papa, na Praça São Pedro, bem diante da Basílica de mesmo nome.

         No dia 10 de junho, logo pela manhã, depois das laudes, estivemos na Congregação para a Causa dos Santos, presidida por Dom Angelo Amato, Salesiano, foi vice-reitor da famosa Universidade Pontifícia Salesiana de Roma. É interessante notar a visão predominante, hoje, neste Dicastério. Uma pessoa considerada santa é aquela que encarna fortemente a mensagem do Evangelho, os ensinamentos de Jesus Cristo. A santidade é uma questão existencial, antes de tudo. Hoje, no mundo, há cerca de 3.000 causas em curso. O Brasil tem mais de 50 e no nosso Regional Leste 2 (Minas Gerais e Espírito Santo) são 14. Todos, pelo batismo, somos chamados à santidade, à vivência intensa dos valores anunciados por Jesus Cristo. Certamente, há muitos santos e santas no cotidiano da vida que não passam por esses processos, mas se encontram no meio de nós.

         Ao meio-dia, já estava, juntamente com Dom Walmor, no Palácio Apostólico, no qual se encontram os ambientes de trabalho e os aposentos do Papa. Fomos os primeiros no rol das audiências reservadas, previamente agendadas. O encontro foi de extraordinário valor. A ele, apresentamos uma síntese da Arquidiocese de Belo Horizonte, passando pelas comunidades, paróquias, padres, leigos, serviços sociais e políticos, formação, vida religiosa, educação (colégios e PUC). Sobre a PUC, particularmente, ele perguntou pelos cursos e programas que oferecemos e afirmou a necessidade de não deixar na sombra a identidade da Instituição como elemento importante da formação integral, espiritualidade, juventude, projetos, desafios. O Papa acompanhou ponto a ponto com atenção e interesse. Além de nos fazer perguntas, ele nos estimulou a seguir o caminho, confirmando a direção que assumimos. Como não podia ser diferente, ele ficou admirado de sermos apenas dois bispos para uma Arquidiocese de 5 milhões de habitantes. Com ele fizemos as tradicionais fotografias e dele recebemos a bênção. Nós o convidamos a visitar Belo Horizonte. A confirmação que o Papa faz dos trabalhos que são realizados pelos bispos tem grande valor de comunhão. Comunhão é uma palavra teologicamente densa, porque carrega em si a diversidade, a especificidade e a singularidade convivendo na unidade, no diálogo, na aliança que une e fortalece.

         Já na sexta-feira, dia 11 de junho, tive a alegria de concelebrar a missa presidida pelo Papa Bento XVI, bem perto dele, juntamente com numerosos cardeais e centenas de bispos do mundo inteiro. Foi o encerramento do Ano Sacerdotal. Estavam presentes à Praça de São Pedro cerca de 13 mil padres. Uma bela celebração, toda cantada. O Papa é um excelente homiliasta: na reflexão, integrou todos os elementos necessários desde as leituras bíblicas, antífonas e o tema preferencial, que é o sacerdócio como dom. Todos foram convocados a vivenciar de maneira séria e alegre seu sacerdócio.

         No sábado, depois da Eucaristia, bem cedo, já estava pronto, às 9h30, para um momento muito esperado: a conferência que solicitamos a Dom Gianfranco Ravasi, durante toda a manhã. Dom Ravasi é um dos maiores exegetas, biblistas da atualidade. Célebre professor em Milão, na Gregoriana e no Instituto Bíblico, o melhor de todo o mundo. A sua produção chega à casa dos 80 títulos, todos muito bons. Ele preside o Pontifício Conselho para a Cultura. Não lhe faltam simpatia e facilidade de comunicação. Fizemos a ele o convite para visitar a Arquidiocese e a PUC Minas.
        
         No domingo, dia do Senhor, partimos para o Montecassino, região de Napoli. Depois da cidade de Cassino, ao pé do morro, subimos ao monte, onde se encontra o famoso mosteiro beneditino, aquele destruído na Segunda Guerra e refeito, espetacularmente: o ar, o vento, a claridade, o alto, o museu, a igreja, o sepulcro de São Bento e Santa Escolástica, irmãos de sangue, reformadores da vida monástica, a celebração da Eucaristia.

         Dia 14 de junho foi a vez do Dicastério para a Vida Religiosa e Consagrada, cujo prefeito é o cardeal Dom Franc Rodé. Tivemos a oportunidade de discutir as dificuldades da vida religiosa tradicional, mais marcada pela dimensão institucional e o crescimento das chamadas novas comunidades, mais marcada pela dimensão carismática, como forma de vida consagrada. As questões estão abertas. A contribuição dos religiosos e religiosas no campo da educação, das obras sociais, a presença no meio dos mais pobres e da produção teológica e pastoral são indiscutíveis.  Nesse mesmo dia, fomos ao Pontifício Conselho para a Comunicação Social, presidido por Dom Cláudio Maria Celli, latino-americano. Depois de breve colocação, dirigimos a reflexão e estudo na direção de muitas e sérias perguntas, provisoriamente sem respostas claras: como a Igreja responde aos desafios da comunicação hoje, movendo-se em várias velocidades ao mesmo tempo? Quais são os novos desafios e possíveis respostas das novas tecnologias à Igreja hoje? Como agir com uma juventude que fica mais tempo diante do computador do que da TV e muito menos na Igreja? Sites que apenas dão notícias são bons, mas velhos; e a necessária interatividade? Como dialogar, sobretudo, com a juventude que não vai mais à Igreja? Até quando continuaremos pescando no aquário? Quais são as linguagens de evangelização para hoje? Como formar os seminaristas para a comunicação? Como liberar pessoas preparadas para a comunicação? Entendamos e pratiquemos o que é a diaconia e a pastoral digitais!

         À tarde, para respirar e buscar luzes, fomos celebrar a eucaristia na bela, belíssima Basílica de São Paulo fora dos muros, o doutor dos gentios. Experimentei o desejo profundo de encontrar a mesma luz que iluminou Paulo Apóstolo na sua evangelização de tantos povos diferentes; uma evangelização referendada pela oferta de sua vida. Na Basílica, está o sarcófago de Paulo.

         No dia seguinte, cedo, fomos à Congregação para o clero, presidida pelo franciscano Dom Cláudio Cardeal Hummes, brasileiro, conhecido de todos nós. Foi uma conversa mais familiar: tocamos a grandeza do sacerdócio e suas fragilidades. Entre ambos a objetividade de orientações que ajudam a resolver as questões que nos aparecem.
        
         No dia 16, um dia reservado à ruminação, ao aprofundamento espiritual. Tivemos um dia de encontro com Dom Bruno Forte. Muitas vezes usei recursos bibliográficos desse exímio teólogo em minhas aulas. As coisas mais fortes ele diz num tom mais terno, numa relação empática perfeita. Os pensamentos fluem, cortam e curam ao mesmo tempo, derrubam e levantam. Entra-se de uma forma e de outra forma se sai. Recebi das mãos dele o opúsculo Lettera ai cercatori de Dio, um texto muito interessante que ele produziu para os bispos italianos. Foi um dia de densa espiritualidade e cultivo teológico. Depois das laudes, durante uma hora completa, realizamos a leitura orante da Sagrada Escritura, que nos conduz, em quatro passos: lectio, meditatio, oratio, cotemplatio.

Já no dia 17, nos desdobramos na parte da manhã em três Conselhos de matérias difíceis e importantes. O Pontifício Conselho para os Leigos, cujo presidente é Dom Stanislaw Cardel Rylco. É nesta pasta que se faz a organização da Jornada Mundial da Juventude, sempre com a presença do Papa. Insisto sempre na indispensável valorização e qualificação do laicato de um lado e no testemunho existencial e intelectual que os leigos dão na Igreja e da Igreja para o mundo.

No Pontifício Conselho de Justiça e Paz, dialogamos sobre a contribuição cristã no campo social, político, da justiça e da paz; como também o compromisso da Igreja com a justiça, condição sine qua non, para a paz. Fizemos referência a alguns posicionamentos cruciais: uma melhor distribuição da terra e o desafio da indispensável reforma agrária, a água como elemento essencial para a vida, o novo pacto financeiro internacional (lembrando a crise financeira). Pude explicitar o trabalho realizado pelo Vicariato para a Ação Social e Política da Arquidiocese e os trabalhos do Nesp, da PUC Minas. Anunciei, para breve, o curso de especialização de Doutrina Social da Igreja e Sociedade, que está sendo gestado pelo Nesp e Ispal.

No dia 18, depois do louvor matinal seguimos imediatamente para a Congregação para o Culto Divino, que zela pela liturgia, na perspectiva definida pelo Concílio Vaticano II: "vértice e fonte da vida cristã", pois da liturgia nos alimentamos (o Senhor "desce" até nós) e por ela nos elevamos (a Ele "subimos"), dando uma dinâmica teológico-espiritual à vivência da fé cristã. Nesta reunião de trabalho, abordamos temas que se referem à experiência de Deus na liturgia e que, portanto, exige sobriedade e solenidade, fidelidade e participação plena, afetiva e efetiva. Por isso foi reafirmado que a liturgia cristã pede uma formação permanente de todos.

Reafirmou-se, mais uma vez, que a missa não pode ser instrumentalizada para promover pessoas, não pode se confundir com show nem se transformar em espaço de exageros e manifestações religiosas de difícil comprovação de autenticidade, pois a missa não é um espetáculo... para que ela seja exatamente o que tem que ser, por si mesma: a experiência de união com Cristo que nos assimila a Ele. Além dos assessores da Congregação, estava presente, presidindo os trabalhos, Dom Antônio, Cardeal Cañizares Llovera, que foi bispo de importantes dioceses espanholas como Ávila, Granada e Toledo.

À tarde, fomos celebrar a Eucaristia na bela Basílica de Santa Maria Maior, mais um momento forte de comunhão episcopal e sobretudo de comunhão que se comunica pela importante devoção à Maria, Mãe da Igreja, porque Mãe de Deus. Esta foi a missa de encerramento oficial da Visita Ad Limina, por isso teve participação especial da presidência do Regional Leste 2. Dom Félix presidiu a Eucaristia e Dom Walmor fez uma profunda reflexão da Palavra de Deus, que terminou com um simples e emocionante momento de preces, quando cada pessoa presente, os bispos e os visitantes que ali se encontravam (alguns brasileiros), disse a Deus, em oração, o nome de sua própria mãe.

No sábado, dia 19 de junho, visitamos a Congregação para a Educação Católica, onde eu mesmo fui o relator do tema, apresentando, em nome dos bispos, a situação da educação e especificamente da educação católica no Brasil e em particular nos Estados de Minas Gerais e Espírito Santo e os seus grandes desafios. Um ponto de atenção permanente é a identidade e missão das instituições católicas. Foi confirmado um dado interessante: a PUC Minas é a maior instituição de educação católica do mundo. Dom Zeno Cardeal Grocholewski, Prefeito da Congregação para a Educação Católica, lembrou a importância do cuidado dos bispos, anteriormente referida por mim, com a formação presbiteral, em todos os seus aspectos.

O último passo da visita ad limina foi o encontro do grupo com o Papa Bento XVI, no Palácio Apostólico. O Papa, depois de ouvir a saudação feita pelo presidente do Regional, dirigiu uma palavra a todos nós, abordando os principais pontos do ministério episcopal. Foi uma palavra cordial, clara, dita de corpo e alma ali presentes, uma palavra leve, de confirmação dos nossos caminhos e nossos trabalhos, uma palavra dita com o olhar fixo em nós, que para ele olhávamos. Ao final, o Papa teve a delicadeza de cumprimentar cada um dos bispos novamente e a cada um presenteou com uma bonita cruz peitoral.

A tarde de sábado foi dedicada a preparar as malas, pois, Dom Walmor e eu antecipamos nosso bilhete de volta para domingo, às 6h20 da manhã (viajaríamos na segunda-feira), querendo aqui chegar e continuar nosso caminhar. Fomos os primeiros a voltar.

Eis uma visita ad limina. Eis uma experiência eclesial de grande valor.
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