"Estamos vivendo um momento de muita alegria, pois, somos quase seis mil pessoas unidas pela força e capacidade agregadora da tecnologia. Nós estamos aqui com o coração alegre. A alegria serena de quem crê", disse Dom Joaquim Giovani Mol Guimarães, bispo auxiliar da Arquidiocese de Belo Horizonte, presidente da Comissão Episcopal Pastoral para a Comunicação Social da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e reitor da PUC Minas, durante a abertura do Mutirão da Comunicação (Muticom), o maior evento de comunicação eclesial do Brasil, organizado pela CNBB. A 12ª edição acontece na PUC Minas, em Belo Horizonte, cidade que recebeu a primeira edição do evento, em 1998. O evento aconteceu em formato remoto, em julho.
Dom Mol destacou que o tema desta edição, Por uma comunicação integral: o humano nos novos ecossistemas, é delicado, mas atual e necessário. "O momento é grave, difícil e desconcertante, mas, a comunicação aqui está para informar. Mais do que isso, para comunicar. Ainda mais do que isso, para oferecer e levar cada pessoa ao coração do Cristo Jesus, nosso único Senhor, que nos conduz para o Pai, e que não deixa a nossa esperança morrer, não deixa abalar a nossa alegria, fruto da fé, não deixa o nosso compromisso com o amor se extinguir", afirmou, ao celebrar a abertura do Mutirão.
Já Dom Walmor Oliveira de Azevedo, arcebispo metropolitano de Belo Horizonte e presidente da CNBB, ressaltou a honra que é hospedar um evento desta importância e proporção na PUC Minas. "Essa Universidade Católica de grande importância no cenário nacional e a serviço da vida, da verdade, do bem, da ciência e da qualidade acadêmica", afirmou o grão-chanceler da Universidade. Ele também destacou que "o Evangelho é comunicação e a Igreja precisa da comunicação para comunicar o Evangelho". Segundo ele, a comunicação avança de modo magnífico, no entanto, muitas vezes, a serviço da mentira, da injustiça, de interesses mesquinhos. E, justamente por isso, é necessário que ela seja pensada e debatida. "A Igreja precisa da comunicação e é por isso que estamos aqui. Tenho certeza que as marcas desse Muticom impulsionarão a Igreja no Brasil cada vez mais na direção de cumprir a sua tarefa missionária, qualificando-nos a todos e fazendo de nós verdadeiros comunicadores", afirmou.
Dom Walmor encerrou seu discurso lendo uma mensagem de afeto e de encorajamento do papa Francisco, enviada especialmente ao encontro: "De fato, os cristãos estão chamados a serem um sinal de esperança e solidariedade na sociedade brasileira, tão atingida pela atual pandemia, inspirados pela fé e com a confiança de que o Senhor ressuscitado acompanha os seus discípulos até o final dos tempos. E ser sinal de esperança significa, em primeiro lugar, ser instrumento de reconciliação, ser instrumento de unidade. Essa é a missão da Igreja no Brasil, hoje mais do que nunca. Para tal, é preciso deixar de lado as divisões e os desentendimentos. É preciso nos encontrarmos no essencial: com Cristo, por Cristo e em Cristo. Reencontrar a unidade do espírito pelo vínculo da paz. Por outro lado, os comunicadores cristãos – jornalistas, publicitários, relações públicas, agentes de pastoral, professores, estudantes, pesquisadores e profissionais de comunicação – devem estar na linha de frente na promoção de uma comunicação que constrói pontes, que busca o diálogo e supera as aporias ideológicas, certos de que todos somos responsáveis pela comunicação que fazemos, pelas informações que damos e pelo controle que podemos conjuntamente exercer sobre as notícias falsas, desmascarando-as. Todos estamos chamados a ser testemunhas da verdade. A ir, ver e partilhar", disse o papa por meio da carta.
Também participaram da solenidade de abertura os bispos que integram a Comissão Episcopal Pastoral para a Comunicação: Dom Edilson Nobre, da Diocese de Oeiras, no Piauí, e Dom Neri José Tondello, da Diocese de Juína, no Mato Grosso. Eles fizeram votos de que todos possam ser membros desta Pastoral, isto é, "ser um verdadeiro anunciador da boa notícia, da justiça, do amor e da paz, que é aquilo que Jesus veio trazer para todos nós".
Ângela Morais, presidente da Rede Católica de Rádio (RCR), destacou que este é o maior evento de comunicação da Igreja no Brasil, e que é uma alegria imensa fazer parte dessa história, "A cada um de vocês que está inscrito e está participando, muito obrigada por acreditar que a comunicação pode transformar a nossa sociedade e a nossa vida", disse.
A Pascom Brasil foi representada pela secretária geral, Patrícia Luz, e pelo coordenador geral, Marcus Tullius, que destacou que celebrar o Mutirão é perceber e compreender a dinâmica da própria comunicação. "Vinte e três anos depois do primeiro Mutirão, nós voltamos a Belo Horizonte. Nem todos fisicamente, infelizmente, mas todos com o coração aqui para fazer juntos porque das nossas casas é que nós podemos hoje fazer juntos, o que continua sendo o propósito do Mutirão", disse, referindo-se ao fato de o evento não ocorrer em formato presencial, como em todas as outras edições.
Alessandro Gomes, presidente da Signis Brasil, afirmou que a comunicação em tempos de pandemia tem sido um alento e agradeceu a todos que acreditaram no evento e estão participando.
Dom Mol finalizou a solenidade de abertura destacando que o campo da comunicação é um horizonte grande e largo. "Por isso, ela é tão importante", justificou, antes de anunciar a palestra magna, que abordou o tema central do evento.
Por uma comunicação integral: o humano nos novos ecossistemas
"Esse evento exprime o poder da comunicação e a possibilidade de formar comunidades", afirmou Massimo Di Felice, sociólogo, doutor em Ciências da Comunicação, professor da Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo (ECA – USP) e coordenador do Atopos, rede internacional de pesquisa formada por pesquisadores de diversas áreas que, em diversos países investigam o impacto das tecnologias digitais nos distintos âmbitos da sociedade atual, ao abrir a programação de reflexões e debates acerca dos desafios da comunicação no contexto eclesial e seus reflexos na sociedade.
Para dissertar sobre o tema central do evento, o professor dividiu a sua análise em quatro abordagens – o protagonismo dos não humanos e o fim de um tipo de mundo; a evolução da conectividade e a crise da ideia ocidental de sociedade; data ecology: os ecossistemas digitais; e a comunicação biosférica e o comunitarismo datificado – para explicar sobre a influência de fatores externos na forma com que o ser humano interage com o ambiente ao seu redor e como que isso vem modificando o processo comunicacional através dos tempos.
O cotidiano, os fatores socioeconômicos, as mudanças climáticas, a pandemia e tudo que influencia a vida contemporânea faz com que a ideia de sociedade formada apenas por cidadãos se torne obsoleta. "O significado atual de fim de mundo, portanto, não coincide com o fim do planeta, pelo menos por enquanto, mas com o fim da nossa ideia dele. O mundo que se perdeu é aquele ocidental, isto é, aquele particular tipo de mundo que encontra a sua origem no pensamento da antiga Grécia. Esse mundo que acabamos de perder produziu uma ecologia que separa o sujeito humano da natureza, reduzindo todas as coisas a objetos", explicou. O professor também chamou a atenção para o fato de que hoje, com a internet 2.0, 70% da comunicação que circula pelas redes não são produzidas pelos seres humanos, mas por algoritmos, organizados pelo Big Data. Esses fatores revelam a necessidade de uma nova forma de interação, já que a complexidade de informações do mundo moderno já não é comportada pelo modelo tradicional de comunicação.
"Acabamos de ingressar no terceiro milênio. Necessitava de uma nova teoria da comunicação. Não apenas um sistema informativo, uma mídia, mas uma inteligência que conecta e transforma, constituindo-se como um novo tipo de ecologia que instaura uma nova condição. Ecossistemas que conectam territórios, dados, biodiversidade, pessoas, informações", explicou, ao pontuar que o processo comunicativo nos ecossistemas digitais não pode ser narrado como um repasse de informações do emissor para o receptor, o que ele definiu como "ideia de comunicação industrial, desenvolvida no âmbito da mídia de massa". "Nós estamos numa época de passagem do tipo de tecnologia mecânica para a tecnologia da informação que gera, portanto, uma possibilidade infinita de interações entre entidades diversas, que produz um novo tipo de comunicação. É a ideia de uma comunicação biosférica", afirmou.
Para ilustrar esse conceito, ele exemplificou com a questão da vacina, em pauta em todo o mundo atualmente. "O mundo biológico, o mundo físico e o mundo digital se conectam e estão produzindo outros mundos, que são resultado dessas sinergias. Um exemplo é a vacina que acabamos de tomar que transmite informações ao nosso organismo para que ele se defenda e produza anticorpos para reagir ao vírus, não para destruir o vírus. A lógica da imunidade não é uma lógica da destruição, mas uma lógica da convivência. Nós devemos aprender a conviver com o vírus. E, portanto, essa vacina é resultado da produção de cientistas que dialogaram e conseguiram produzir vacina através do Big Data, através de análise sequenciais produzidas automaticamente por dados digitais. Então, o mundo digital, o mundo biológico e o mundo físico se juntaram para produzir o imunizante", explicou.
"Entre um eu e um outro, entre um humano e um algoritmo, entre um humano e uma floresta, não podem haver caminhos ou pontes a serem percorridos. Já que o ser só pode ser enquanto no indivíduo, mas enquanto co-mundo. A substituição da ideia de indivíduo com a ideia de co-mundo é algo extremamente importante para pensar essa nova dimensão ecossistêmica da comunicação conectada. Tudo é resultado de interações", afirmou.
Após a palestra magna, a programação prosseguiu com a apresentação cultural Versos e Preces, conduzida pelo bispo auxiliar da Arquidiocese dom Vicente Ferreira e o músico Alvimar Liberato. Logo após, a professora Magali Cunha, doutora em Ciências da Comunicação pela USP e coordenadora do Grupo de Pesquisa Comunicação e Religião da Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação, conduziu a conferência Comunicação para paz em tempos de fake News ultraconservadorismo. O primeiro dia do evento foi finalizado com um momento de reflexões e diálogos, além da bênção final.