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Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais | Abril/Maio de 2021 - nº 38

Aula conjunta da FCA, ICH e ICS: Dom Mol reafirmou a importância da luta pelos mais pobres

Participaram da aula os professores Mozahir Salomão Bruck, Carla Ferretti e Danny Zahreddine, diretores da FCA, do ICH e do ICS, respectivamente, e o reitor Dom Mol
Participaram da aula os professores Mozahir Salomão Bruck,
Carla Ferretti e Danny Zahreddine, diretores da FCA, do ICH
e do ICS, respectivamente, e o reitor Dom Mol

Durante a aula inaugural conjunta da Faculdade de Comunicação e Artes (FCA), Instituto de Ciências Humanas (ICH) e Instituto de Ciências Sociais (ICS), ocorrida no dia 6 de abril, o reitor da PUC Minas e bispo auxiliar da Arquidiocese de Belo Horizonte, professor Dom Joaquim Giovani Mol Guimarães lamentou o recorde de mortes de brasileiros vítimas da Covid-19 em um só dia, 4.195 vidas perdidas e famílias afetadas, e observou que a maioria dessas pessoas são pobres, os mesmos pobres pelos quais padre Júlio Lancellotti, coordenador da Pastoral de Rua da Arquidiocese de São Paulo, luta diariamente.

Durante a aula inaugural conjunta da Faculdade de Comunicação e Artes (FCA), Instituto de Ciências Humanas (ICH) e Instituto de Ciências Sociais (ICS), ocorrida no dia 6 de abril, o reitor da PUC Minas e bispo auxiliar da Arquidiocese de Belo Horizonte, professor Dom Joaquim Giovani Mol Guimarães lamentou o recorde de mortes de brasileiros vítimas da Covid-19 em um só dia, 4.195 vidas perdidas e famílias afetadas, e observou que a maioria dessas pessoas são pobres, os mesmos pobres pelos quais padre Júlio Lancellotti, coordenador da Pastoral de Rua da Arquidiocese de São Paulo, luta diariamente.

E, por isso, é tão importante que o pároco espalhe a sua missão, disse o reitor Dom Mol. "Participam conosco agora centenas de jovens universitários, que têm sensibilidade e estão crescendo no seu conhecimento e compromisso com a sociedade. Por isso, a sua presença é uma aula, porque convoca essa juventude toda a, de fato, pensar, refletir e a agir para construir uma sociedade melhor", afirmou o reitor, que comparou padre Júlio à personagem bíblica Maria Madalena. "Ela foi corajosa e destemida, e ficou encarregada da boa notícia da ressurreição. O senhor é portador dessa boa notícia, anda correndo para todos os lados anunciando que a vida é que é sagrada, e não a morte", afirmou.

A aula inaugural conjunta Como fazer da cidade uma casa comum: alternativas e caminhos para enfrentar a pobreza aconteceu por meio do canal PUC Minas Lives no YouTube. A atividade, que integrou as comemorações dos 50 anos da FCA, foi mediada pelo diretor da Faculdade e secretário de Comunicação da PUC Minas, professor Mozahir Salomão Bruck, e contou com a participação do reitor da Universidade, Dom Joaquim Giovani Mol Guimarães; da diretora do ICH, professora Carla Ferretti; e do diretor do ICS, professor Danny Zahreddine.

"Amar nesse sistema que nós vivemos é desordenar o nosso mundo", refletiu o padre Júlio Lancellotti, ao citar o teólogo José Comblin, que afirmava que "o amor é a desordem".

Para padre Júlio, a cidade é a vitrine da modernidade: é o lugar de contraste, regida por interesses econômicos e onde se explicita a desigualdade. E que o primeiro passo na luta para a humanização da cidade é o entendimento que essa é uma luta histórica. "Muitas vezes nós lutamos achando que nossa intencionalidade basta. A luta não é feita de intencionalidades, ela é feita de historicidade. Nós conhecemos muito a história da teologia e conhecemos muito pouco a teologia da história. É preciso nos debruçarmos mais sobre essa reflexão, isto é, como Deus está presente na história e vai fazendo a busca da transformação", argumentou, ao afirmar que essa transformação acontece em meio a desafios, conflitos, desordem, enfrentamento e, até mesmo, desobediência civil. "Nós não podemos pensar que a mudança e, principalmente, a mudança que é feita por amor, vai acontecer em um passe de mágica. É uma luta ferrenha e uma luta que vai se dar na história. Cabe a nós nesse momento escuro e difícil da história carregar a luz para que ela não se apague", disse.

Ele alertou que não há outro caminho para humanizar a cidade que não seja pela defesa dos direitos humanos, sobretudo dos grupos minoritários e marginalizados. Para isso, é fundamental entender onde esses grupos se encontram. "São os descartados, como diz o Papa Francisco. A lógica do sistema neoliberal é o descarte. Então, que lugar eles têm na nossa Igreja? Que lugar eles têm na nossa universidade?", indagou, ao afirmar que é necessário trazer esses grupos para um lugar social, epistemológico e de elaboração de conhecimento. Mas, mais do que trabalhar com essas pessoas, é necessário conviver. "Quem pergunta para o morador de rua o que ele sente? Como ele dormiu essa noite? O que ele passa? Ninguém quer saber", apontou.

Para que essa convivência aconteça de forma efetiva, é necessário olhar a cidade e o mundo a partir dos olhos – e da realidade - dos pobres. "Nós temos que fazer um descenso. Descer para conviver, chegar na calçada. Temos que lutar contra todo tipo de discriminação e de preconceito. Temos que acolher a vida de maneira incondicional. Nós não devemos buscar uma religião feita de moralismos e de condenações, mas uma religião e uma fé que sejam de acolhimento, de transformação e de humanização".

Padre Júlio alertou, entretanto, que a luta por mudança tem que ter critério e que, no momento atual, é urgente que se lute pela vacinação em massa e por uma proteção social que permita que as pessoas possam fazer um isolamento social efetivo. "Como dizer para o morador de rua 'fique em casa'? Que casa? Como dizer para eles lavarem as mãos? Com que água potável?", questionou.

Para que a sociedade consiga mudanças efetivas é de suma importância se ter gestos concretos e metas, disse. "A nossa fé, a nossa esperança e a nossa caridade têm que ter concretude. Nós temos que garantir às pessoas mais pobres acesso ao essencial: alimentação, higiene e acolhimento. E uma luta que seja feita com eles, e não para eles. Formar comunidade com os mais fracos e com os pequenos, lutarmos com eles pelos direitos da vida, os direitos humanos. E construir com eles um caminho".

Ele ponderou, ao lembrar-se de heróis populares que conseguiram efetuar grandes mudanças na sociedade, que a luta é contínua e passa de geração a geração, de pessoa a pessoa. "Pode parecer muito distante como vamos construir essa cidade para todos. Nós não vamos construir e acabar a construção, vamos continuar a construção que vieram de outros. A luta não é nossa, não começou conosco. Essa luta tem uma história".

Para padre Júlio, além de lutar pela sobrevivência das pessoas que vivem nas ruas, é fundamental lutar pela personalização delas, porque pessoas não podem virar apenas um número, sobretudo em um período sombrio em que os números de mortos aumenta a cada dia devido à pandemia. Também é fundamental escolher um lado, e que esse lado sempre deve ser o dos necessitados, afirmou, ao citar uma frase de Darci Ribeiro: Lutei tantas vezes e fracassei, mas estou muito feliz em não estar do lado dos que venceram. "Eu também estou muito feliz de estar do lado dos que não venceram. E acho que nós temos que ter uma opção muito clara na cidade: estar do lado dos pequenos e não dos grandes, estar do lado dos fracos e não dos poderosos, estar do lado dos que são pisados e não dos que pisam".

Aos estudantes, ele sugeriu a Pedagogia do Oprimido, de Paulo Freire. "O neoliberalismo não é só um modelo econômico, ele é uma epistemologia. Isso é muito difícil de superar se não for a partir de baixo para cima, a partir de tirar de nós a opressão e opressor que nós interiorizamos. Gosto de uma citação de Simone de Beauvoir que diz que os opressores não teriam tanto poder se não tivessem tantos cúmplices entre os oprimidos ou, como diz o Paulo Freire, a cabeça do oprimido muitas vezes é a hospedaria do opressor. É surpreendente que até mesmo dentro das universidades nós tenhamos a presença da retórica do ódio, das fake news, que tentam desqualificar a luta pelos direitos humanos, a luta em defesa dos mais pobres".

Padre Júlio também afirmou que a misericórdia e a compaixão não são dimensões religiosas, são dimensões humanas, e que é necessário a união de todos os grupos religiosos, que devem ter diálogo aberto, inclusive, com ateus e agnósticos, que também são misericordiosos e compassivos. Muitas vezes, até mais que pessoas que usam a religião como objeto de domínio e instrumentalização do povo. Ele criticou a polêmica da abertura dos templos religiosos durante a pior fase da pandemia sob a justificativa errônea de que há perseguição religiosa. "Muitas vezes o pensamento cristão é deformado e utilizado para dizer que Deus está acima de tudo. Deus não está acima de tudo, Deus está no meio de nós. No meio, não acima de nós", ponderou.

Padre Júlio finalizou seu discurso reafirmando a importância de lutar por uma sociedade mais igualitária, com disciplina revolucionária, capacidade intelectiva, estudo que fundamente a luta e a fé, sem perder a importância da laicidade, do pluralismo e da diversidade. "Nós não somos ingênuos, não estamos fazendo uma luta maluca, estamos fazendo uma luta histórica. Temos que ter muito presente a trindade da mudança da sociedade, um amor incondicional aos pobres e aos pequenos, com todas as dificuldades, com todos os conflitos e desafios. Eu escolhi na minha ordenação o versículo de Paulo na primeira carta aos Coríntios: Deus escolheu o que é fraco para confundir o que é forte. Isso marca muito a minha vida. Estar do lado dos fracos é se fazer fraco. Nós vamos lutar sempre desarmados. A nossa defesa sempre será testemunhar o amor e a vida", afirmou.

Após a explanação, o pároco respondeu algumas perguntas feitas pelas cerca de 1.500 pessoas que acompanharam a aula em tempo real. Ao ser indagado se há luz no fim do túnel, ele respondeu que, primeiramente, é necessário conhecer a escuridão. E que não há uma única luz, mas várias luzes pelo caminho, que são acesas a cada gesto de solidariedade, compaixão e amor ao próximo, sobretudo aos mais necessitados. "Não sei se tem luz no final do túnel, mas nós temos que ir acendendo luzes durante o período da escuridão, que é o que estamos vivendo nesse momento. E é nesse momento que temos que ser cristãos e humanizadores da vida, fazendo a desordem do amor do padre Comblin. Nós temos que ser acendedores de esperança. Acho que a nossa esperança neste momento é a resistência."

A professora Carla Ferreti afirmou que o trabalho de padre Júlio é inspirador e nos faz acreditar que outro país é possível. "Obrigada, padre Júlio, por renovar nossa utopia e nos dar ânimo para enfrentar os desafios nos dias de hoje", disse a diretora do ICH. Já para professor Danny Zahreddine, o trabalho do pároco é um sopro de esperança em um momento em que o Brasil e a sociedade se mostra acometida por uma amnésia coletiva que, de certa forma, retira dos corações de muitos brasileiros princípios básicos do humanismo, diretriz fundamental, que deve nortear as relações. "Ao vê-lo cuidar dos nossos irmãos que vivem esquecidos nas ruas com um amor desvelado que Jesus Cristo espera que amemos a todos, o senhor se torna uma inspiração potente e fundamental hoje no nosso tempo. Que esse sopro renovador que o senhor representa hoje para nós possa contagiar a todos que estão sedentos por justiça, amor, esperança e um futuro melhor", disse.

Quase quatro mil pessoas já assistiram a palestra, que está disponível no canal PUC Minas Lives e pode ser acessada neste link.

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