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Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais | agosto/setembro de 2015 - nº 23

Padre José Tolentino de Mendonça: o aprofundamento espiritual
depende da apuração dos sentidos

Marcos Figueiredo
O padre José Tolentino ao lado do reitor Dom Mol
O padre José Tolentino ao lado do reitor Dom Mol

"É necessário reacender os nossos sentidos, se quisermos fazer verdadeira procura espiritual". Essa afirmação, feita pelo consultor do Pontifício Conselho para a Cultura no Vaticano, padre José Tolentino de Mendonça, deu o tom da conferência Leituras Infinitas: um diálogo com o cotidiano e a vida, realizada pelo teólogo, escritor e biblista português, no dia 19 de junho, no Teatro João Paulo II, campus Coração Eucarístico. O encontro, que reuniu professores da PUC Minas, integrou a Semana de Avaliação e Planejamento, promovida pela Pró-reitoria de Graduação (Prograd) da Universidade.

O religioso disse que o maior problema da sociedade contemporânea é que as solicitações da vida cotidiana empurram todos a um estado de fadiga, ao mesmo tempo em que a maioria tem vergonha em dizer que está cansada. "Hoje nos encontramos em uma estimulação sensorial máxima" e, na vida adulta, é como se os sentidos não tivessem nos ensinado nada, lembrou. "Há uma sobrecarga de sentidos, nós os temos muito subdesenvolvidos, tornando-nos analfabetos emocionais".

Para se construir uma espiritualidade no tempo presente, há que ser enfrentado o divórcio existente entre contemplação e ação, entre sagrado e cotidiano, por exemplo. Esse divórcio, disse, gera condição desencarnada do religioso, um distanciamento e não proximidade. E a Bíblia reforça a condição de proximidade. Não se encontra ali dissociação entre alma e corpo, entre vida religiosa e vida comum. "Deus colocou na matéria o sopro vital, que é o ser espírito em cada vivente", e o dom de Deus é a presença d’Ele em nós, disse. O padre José Tolentino observou ainda que é através do corpo que aprendemos a gramática de Deus, é a "língua natural de Deus, por onde Ele fala".

Assim, Tolentino afirma que o encontro de cada um com os próprios sentidos (a visão, o olfato, a audição, o paladar e o tato) é um encontro com o próprio Deus. "Com uma pausa, podemos reencontrar Deus, em um encontro com nossos próprios sentidos", disse. E citou a pandemia de doenças neurológicas em todo o mundo, como depressão, transtorno de personalidade, entre outras, que também acometem a classe docente. "No final de semestre estamos todos devorados, como terra queimada", comparou.

Discorrendo sobre a construção de um projeto espiritual para o presente, o padre analisou como esse espaço pode ajudar a encontrar uma espiritualidade, um viver, para que seja uma experiência para encher a vida de significado. O termo "interioridade", explicou, remete a um espaço internalizado, em cisão com o exterior. O caminho que nos conduz a Deus é um exercício interior, uma renúncia dos sentidos, um mergulhar na própria alma, o que nos obriga a desligar do mundo e da própria vida, disse.

Ele discorreu sobre os cinco sentidos: o tato, que na ordem da criação divina ocupa a primeira colocação, "é o nosso grande olho primeiro", o que divide o interior do exterior. Padre José Tolentino citou passagem do Evangelho no qual a multidão tocava Jesus, mas Ele quis saber especificamente quem o tinha tocado, referência que padre Tolentino citou para mostrar que o tato permite o verdadeiro encontro, e não apenas "um esbarrão".

Já o paladar, prosseguiu, é o sentido do perto, do íntimo, mas a sociedade estimula somente a visão e a audição, disse. Citando o escritor Rubem Alves, padre José Tolentino disse que é preciso despertar a fome dos alunos e dar de comer somente ao final, em vez de saciar logo a fome por conhecimento.

O olfato, terceiro sentido citado pelo padre José Tolentino, é imediato, flagrante, íntimo. "Nós subestimamos a força que os odores desempenham na nossa vida", disse. "A espiritualidade se mete pelo nariz adentro, pelo corpo inteiro", a partir dos "vestígios odorantes de Jesus Cristo".

A audição humana, que é limitada e capta somente uma parte dos sons, ensina uma realidade do próprio viver. E citou a escritora Clarice Lispector: "Ouve-me, ouve o meu silêncio. O que falo nunca é o que falo e sim outra coisa. Capta essa outra coisa de que na verdade falo porque eu mesma não posso".

E, por último, a visão: só há a visão porque há luz, no olhar está a essência na procura de sentido da vida, disse.

"O desafio é encontrar uma ecologia integral, uma compreensão de que tudo está intimamente relacionado", explicou o padre José Tolentino. Citando o Papa Francisco, disse que são necessárias uma nova gramática e uma nova antropologia, uma síntese entre tudo o que somos e acreditamos", finalizou.

Durante o encontro, Padre Tolentino lançou o livro A Leitura Infinita, a Bíblia e a sua Interpretação, pela Editora Paulinas. Ele também tem publicados no Brasil Nenhum Caminho será Longo e Pai Nosso que está na Terra, ambos pela mesma editora. José Tolentino é português, nascido na Ilha da Madeira, mestre em Ciências Bíblicas e doutor em Teologia Bíblica. É vice-reitor da Universidade Católica Portuguesa.

"Espantoso projeto"

Para o padre José Tolentino, a PUC Minas é um "espantoso projeto pelo que representa no mundo das universidades católicas". "É confortante ver que o pensamento relacionado à missão das universidades católicas tem na PUC Minas um centro de universidade católica que se concretiza", elogiou.

O reitor, professor Dom Joaquim Giovani Mol Guimarães, ressaltou a riqueza, singularidade e leveza com que o padre José Tolentino aborda a temática em sua obra. Sobre a natureza deste encontro do padre português com os professores da PUC Minas, Dom Mol disse que esperava que fosse "um compromisso com a promoção da cultura do encontro que deve acontecer na nossa Universidade", colocando uns diante dos outros, em contraste com uma sociedade mundial marcada pelo individualismo, nas palavras do Papa Francisco. Dom Mol disse ainda que este encontro é uma "pausa restauradora" para se descansar no "silêncio, na palavra", num momento de final de semestre letivo, "marcado pelo cansaço".

O coordenador do Anima, professor Carlos Frederico Barboza de Sousa, citando autores, disse que é preciso saber conviver como processo importante também no ensino-aprendizagem e sobre a importância de se aprender a ser e a conviver, ou seja, a capacidade de relacionar-se. "Faz parte do ser educador trabalhar o ser. No ambiente onde se trabalha também se constroem relações, espaço que também nos desgasta e nos convida a superar".

O evento reuniu a vice-reitora, professora Patrícia Bernardes; os pró-reitores de Graduação, professora Maria Inês Martins, de Extensão, professor Wanderley Chieppe Felippe, de Pesquisa e de Pós-graduação, professor Sérgio de Morais Hanriot; o coordenador do Anima – Sistema Avançado de Formação, secretários, pró-reitores adjuntos, diretores acadêmicos, diretores de institutos e faculdades, chefes de departamentos e coordenadores e membros de colegiados, professores dos campi e unidades da Universidade.

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