IEC | Pós-graduação lato sensu PUC Minas

número 124 | 20/11/2020 a 25/12/2020

Em dia com o Mercado

Quem você vê quando olha à sua volta?

Por quase quatro séculos o Brasil dependeu economicamente da escravização de pessoas negras, tanto na mão de obra quanto no comércio de corpos pelo Atlântico. Em 1888, quando o regime escravocrata foi tardiamente abolido, essas pessoas, até o momento consideradas mercadorias, foram jogadas para as margens da sociedade, literal e figurativamente.

Sem uma política de reinserção do negro na sociedade – contaminada pelo pensamento escravagista excludente – ainda se propagou no país o estereótipo do negro preguiçoso, vadio, arruaceiro.

Impedidos de estudar pelo “Ato de Império” de 1824 e de ter a posse de terras pela “Lei de Terras” de 1850, os negros libertos não conseguiam entrar no mercado formal, nem mesmo voltar para os postos trabalho no campo, dessa vez remunerados, já que o governo, também infestado de ideais eugenistas de clareamento da população, subsidiou a vinda e moradia de imigrantes europeus.

Institucionalmente alienadas do direito à terra, ao trabalho e à educação, essas pessoas deixaram para os seus descendentes um forte legado de resistência às adversidades, mas também de exclusão e pobreza, porque as engrenagens estruturantes do racismo brasileiro continuam girando a todo vapor.

Dados da mais recente Síntese de Indicadores Sociais, publicada pelo IBGE no último dia 12, mostram que a extrema pobreza no país cresceu 13,5% entre 2012 e 2019. Cerca de 24,7% da população brasileira está abaixo das linhas de pobreza do Banco Mundial. Desse percentual, 70% são de cor preta ou parda.

Atualmente, o profissional negro que consegue se qualificar, não raro com muito sacrifício, quebrar as barreiras da discriminação nos processos seletivos e se inserir no mercado formal dá de cara com um ambiente de trabalho predominantemente branco.

Há poucos meses o portal Vagas.com, plataforma de grande visibilidade nacional na busca e oferta de trabalho, implementou uma nova ferramenta de autodeclaração racial. Entre os quase 200 mil usuários cadastrados, mais da metade se declarou preta ou parda. Desse total, apenas 0,7% estão em cargos de direção, enquanto 47,6% trabalham em nível auxiliar ou operacional.

A partir da análise de mais informações no cadastro, como cargos que ocupam e escolaridade, outra tendência da desigualdade do mercado ficou evidente: apesar de 47,8% possuírem formação superior, os profissionais negros estão menos presentes nos cargos de suporte, média e alta gestão.

O racismo estrutural do qual tanto se tem falado nos meios de comunicação se apresenta aí: embora o trabalhador negro seja qualificado, ele não evolui na carreira na mesma proporção que os trabalhadores brancos.

Por isso, o racismo não é um ato isolado, descolado do contexto. Ele é um processo. Para o professor da Fundação Getúlio Vargas e jurista Silvio Almeida, autor e pesquisador da área, as condições de organização da sociedade reproduzem a subalternidade dos grupos que são identificamos racialmente.

Um estudo recente, de economistas do Insper, baseado nos dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua Anual, de 2016 a 2018, revela outra faceta desse racismo: a disparidade salarial entre homens brancos e mulheres negras – os dois extremos da pirâmide social –, ambos vindos do ensino superior público, pode chegar em até 159%.

Essa disparidade de salários e proporcionalidade entre o número de negros e brancos presentes em determinados ambientes de trabalho, além de sinalizar um grave problema social, tem consequências na saúde mental dos profissionais negros. Não raro, em rodas de conversa e debates sobre o tema, escutamos relatos sobre o gradativo adoecimento mental, sinais de auto sabotagem e até mesmo a identificação da “síndrome do impostor” entre muitos de nós, mas esse é um assunto para outra oportunidade.

Por hora, este texto é mais do que uma constatação de fatos e estatísticas. É um convite ao diálogo, o início de uma conversa que, espero, não vai terminar em Novembro. Quem você vê quando olha à sua volta no ambiente de trabalho? E, se somos mais de 56,3% da população, por que não há mais pessoas negras?

 

Boletim produzido pela Assessoria de Comunicação da Diretoria de Educação Continuada da PUC Minas

imprensaiec@pucminas.br | (31) 3131-2824