IEC | Pós-graduação lato sensu PUC Minas

número 124 | 20/11/2020 a 25/12/2020

Opinião

Jornalista, advogada e relações públicas, Januza G. Correia, fala sobre a condição da mulher negra no país que acentua estereótipos equivocados e amplia a invisibilidade de uma parcela economicamente ativa, que se descobre, a cada dia, cada vez mais resistente e empoderada. Confira:

A força da mulher negra

Neta de quem vivenciou o êxodo rural a fim de buscar melhores condições de vida para a família, cresci ouvindo do meu avô materno que é sempre necessário entender a raiz da questão. Filha de professora, cresci ouvindo que estudar me traria liberdade. Não interpretava essas escutas como hoje, mas me fortaleci desses ensinamentos.

Em função de sua origem social, marcada pela escravidão, os negros, ainda hoje no século XXI, convivem com as desigualdades sociais advindas do seu passado. Além das precárias condições impostas, os negros eram vistos como mercadorias, sendo comercializados por alguns réis. A condição de escravo, no sentido literal da palavra mudou, mas no sentido social ainda engatinha, pois a discriminação racial é uma realidade.

A situação da mulher negra na sociedade é mais complexa.  Em uma sociedade marcada pelo patriarcado, a mulher negra se destacava como objeto de prazer e nos serviços domésticos. Deixando de cuidar dos seus próprios filhos, para serem “amas de leite dos filhos das sinhás”. Ora, essas circunstâncias não mudaram como um toque de mágica. Ainda vemos a maioria das mídias de massa destacando o lado sensual das mulheres negras, como no Carnaval e sendo coadjuvantes nas telenovelas. Assim, a luta é diária contra assédio, discriminação e estereótipos.

Em meio a pandemia, a mulher negra foi quem mais sofreu com o desemprego. Conforme recente pesquisa divulgada pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos - DIEESE, a taxa de desocupação da mulher negra no 2º semestre de 2020 chegou a 18,2%, enquanto da mulher não negra 11,3%. 

Além disso, conforme o Atlas da Violência 2020, divulgado no mês de agosto, 68% das mulheres assassinadas no Brasil eram negras, enquanto 32% eram não negras.  As diferenças nas taxas apresentadas são significativas e preocupantes, pois nos mostram o quanto trabalho ainda é necessário para a diminuição dessa desigualdade social.

Os dados mostram uma triste realidade, mas não conseguem diminuir a força das mulheres negras que sempre lutaram para sobreviver e conquistar o seu espaço como Dandara, guerreira, que lutou ao lado de Zumbi dos Palmares. Assim, mesmo com inúmeras dificuldades ao longo de sua história, a mulher negra vem lutando, fortalecendo e empoderando.

  Mesmo interrogando o fato da mídia de massa pautar como notícia, que é um fato relevante que merece publicação em um meio de comunicação social, que o maior telejornal brasileiro será apresentado por uma jornalista negra, já estamos conquistando espaços. No entanto, é questionável pois diariamente uma mulher não negra realiza esse ofício. O que não se torna notícia é o número de mulheres negras que diariamente saem de suas casas, deixando os seus filhos, para cuidarem das casas e dos filhos de outros. Aliás, se torna notícia quando acontece uma fatalidade como foi o caso do menino Miguel, em Recife, no mês de junho de 2020.

Mas a força da ancestralidade faz com que atualmente as mulheres negras reconheçam e exaltem a sua beleza e a sua inteligência; que ocupem espaços que foram privadas devido às desigualdades sociais; que se destaquem em diversas áreas das ciências e que tenham tempo para as suas famílias.

Anseio, que o nosso Estado Democrático, formado pelo povo, respeite um dos seus principais fundamentos que é a dignidade da pessoa humana. Além disso, que sejam assegurados “o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos”, como prevê a Constituição da República de 1988.

Como mulher negra, mãe, que cresceu ouvindo que seria necessário entender as raízes dos acontecimentos, desejo que um dia os meus descendentes possam viver plenamente o disposto no artigo 5º e em seu inciso I, da Carta Magna brasileira:

 

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

        I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição. 

Assim, caminho lutando pelos meus e pelos outros, encorajada pela frase do meu pequeno filho Antônio: “mamãe, você consegue”. Sim, filho, nós conseguiremos.

 

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(seleção do clipping produzido pelo Núcleo de Estudos Sociopolíticos da PUC Minas e Arquidiocese de BH)

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