IEC | Pós-graduação lato sensu PUC Minas

número 112 | 15/04/2019 a 15/05/2019

Destaque

Ensino e Aprendizagem: desafios contemporâneos da educação

 

Se você atua na área de educação, certamente já se viu desafiado a aprimorar as suas práticas didáticas com foco no processo de aprendizado e motivação de seus alunos. Dentre as dificuldades que um professor encontra em sala de aula, há desde a concorrência com os smartphones (cada dia mais acessíveis aos alunos de todas as idades) até questões neurofisiológicas e de comportamento, que atuam de forma decisiva junto aos processos cognitivos e aprendizado. Para discutir o assunto, conversamos com a professora Flávia Lage, uma das coordenadoras do curso de pós-graduação em Neurociência e Educação: bases neurofisiológicas do aprendizado. 

Quais os principais fatores que influenciam no processo de aprendizagem?

Aprender é um ato complexo que culmina com a aquisição de novos comportamentos, habilidades e/ou conhecimentos por um indivíduo. Para aprender necessitamos de um cérebro funcional e saudável, uma vez em que o ato de aprender envolve diversas habilidades cerebrais, tais como a percepção de estímulos externos, o processamento deles, a memória, a atenção, a emoção, o pensamento, a linguagem e as funções executivas. Além disso, precisamos de nutrição adequada, de noites de sono de qualidade, de tempo para revisitar os conteúdos que desejamos nos apropriar, de incentivo correto (material e psicológico), de um ambiente estimulador e apropriado emocionalmente, de boas escolas, de experiências e, principalmente, de motivação.

1. Em relação à biologia do sistema nervoso, como acontece esse processo de retenção do conhecimento por parte do aluno?

Biologicamente falando, a aprendizagem pode ser definida pela plasticidade neural, ou seja, pelas alterações cerebrais decorrentes de experiências. A cada situação vivenciada, nos deparamos com estímulos externos que provocam alterações químicas e estruturais em nosso sistema nervoso e que culminam com a formação de novas interações entre as células neuronais. A consolidação das informações recebidas, conhecida como memória, componente essencial do processo de aprendizagem, é estabelecida quando determinadas informações chegam ao cérebro de maneira repetitiva e persistente. Assim, pode-se dizer que a retenção do conhecimento envolve a repetição do conteúdo a ser ensinado através de práticas educacionais diferenciadas, atrativas, motivadoras e adequadas à maturação cerebral dos alunos a que se leciona.     

2. Como o docente deve avaliar a eficácia das práticas pedagógicas na aprendizagem dos estudantes?

A análise da eficácia das práticas pedagógicas a serem empregadas por nós, professores, no processo de ensino-aprendizagem, envolve inicialmente a percepção de que o nosso trabalho consiste numa persistente e constante estimulação do cérebro de nossos alunos. Dessa forma, o primeiro trabalho a ser feito é reconhecer o nível de maturidade cerebral de cada fase da vida de nossos estudantes! Apesar de sermos capazes de aprender em qualquer momento da vida, existem períodos, tais como a infância e a adolescência, que são mais propícios ao aprendizado. Reconhecer que o cérebro infantil é estruturalmente diferente do cérebro adolescente e do cérebro adulto consiste no primeiro passo para garantir uma aprendizagem mais eficaz aos nossos alunos, pois isso nos permite escolher, conscientemente, práticas mais adequadas para o ensino de acordo com o nível educacional que lecionamos.

Nós professores temos sempre que ter ciência também de que cada aluno tem uma particularidade para aprender! Assim, apesar de existirem práticas mais recomendadas a cada nível educacional, devemos sempre acompanhar, ao longo das atividades escolares, o desenvolvimento de cada aluno, oferecendo-lhe condições para progredir em relação às suas dificuldades! Devemos também ter consciência de que para o aprendizado ser eficaz ele pressupõe a repetição dos conteúdos de diferentes formas, ou seja, através do uso de um conjunto de diferentes práticas pedagógicas. Assim, o conjunto de práticas aplicadas que permitem constante progresso educacional dos estudantes nos fornecem o indício de serem adequadas ao público educacional em questão.

 

3. Como os estudos neurocientíficos podem contribuir para a educação contemporânea?

Simplificadamente podemos dizer que a neurociência estuda a fisiologia e o funcionamento do cérebro e a educação estuda os processos de ensino e aprendizagem. Como a aprendizagem se processa no cérebro, pode-se perceber claramente que a neuroeducação é uma área de estudo promissora. Conhecer os mecanismos neurobiológicos da aprendizagem certamente auxilia educadores e pais a compreenderem porque algumas práticas pedagógicas funcionam e outras não; permite o entendimento, com mais clareza, das dificuldades de aprendizagem direcionando esforços para proporcionarmos um ensino coerente à particularidade de cada discente e nos demonstra a capacidade e a limitação do cérebro humano durante as diferentes fases da vida permitindo que adequemos as práticas pedagógicas a cada nível de ensino. É importante destacar que os estudos neurocientíficos não apresentam solução para todos os problemas educacionais! A neurociência nos demonstra como o cérebro funciona permitindo a desenvoltura, por nós educadores, de práticas pedagógicas mais eficientes. E isso é espetacular, não é mesmo? Saber, devido às pesquisas neurocientíficas, que todos somos capazes de aprender, em todas as fases da vida, é o que atribui fôlego para o docente se reinventar a cada aula lecionada, motivando-o cada vez mais a seguir estimulando seus estudantes a progredirem cada vez mais!

 

4. Em tempos cada vez mais digitais, como a tecnologia pode influenciar positivamente e negativamente o processo de aprendizagem?

As principais pesquisas publicadas avaliam o efeito do uso excessivo de smartphones e redes sociais na capacidade cognitiva dos indivíduos em função do crescimento, cada vez maior, da geração “C”, grupo de pessoas que vivem cada vez mais conectadas. Pesquisas recentes pontuam a influência positiva da tecnologia na capacidade dos indivíduos alternarem com maior flexibilidade entre tarefas, na melhora das habilidades relativas à memória de trabalho e à atenção, sugerindo, inclusive, benefícios educacionais dado a importância de tais habilidades cognitivas para os processos pedagógicos. Outros estudos, no entanto, sugerem influência negativa da tecnologia nos processos educacionais tais como menor engajamento social “off-line”, alteração nos padrões de sono e no humor dos usuários de tecnologias em excesso e menor controle da impulsividade. Interessante, não é mesmo? 

5. Como manter o aluno do século XXI sempre motivado no ambiente escolar? Como o professor deve encarar esse desafio?

A motivação é fator essencial à aprendizagem!  Sempre que um estímulo, interno ou externo, é apresentado a nós, escolhemos um comportamento a ser emitido frente a ele. E sempre que obtemos recompensas positivas ao adotarmos esse comportamento tendemos a repetir as ações realizadas visando satisfação futura, ou seja, nos sentimos motivados a executar uma ação. Essa situação leva a liberação de dopamina em algumas regiões cerebrais, dando sensação de prazer e bem-estar e, portanto, gera aprendizado. Assim, dentro do ambiente escolar, é essencial valorizar as atitudes positivas dos alunos; apreciar progressos deles, ainda que discretos, e pontuar aos estudantes que os esforços deles foram percebidos ainda que não tenham efeitos imediatos. É preciso também que o professor perceba seu papel fundamental nesse processo de motivação do aluno: um docente que tem prazer em lecionar e em constantemente aprender apresenta coerência em sua fala e em sua linguagem corpórea transmitindo aos discentes confiança de que estudar, conhecer, aprender e se dedicar pode ser um processo agradável e de muitas recompensas!

6. Quais são os principais transtornos, distúrbios e dificuldades de aprendizagem presentes no ambiente escolar?

Inicialmente é importante pontuar que dificuldades, distúrbios e transtornos de aprendizagem são conceitos diferentes! A dificuldade de aprendizagem (DA) se caracteriza por um baixo rendimento escolar mesmo havendo condições biológicas, sociais e culturais que capacitem o estudante a aprender plenamente. É fruto da associação de fatores internos ao indivíduo com fatores ambientais, tais como questões emocionais, familiares, sociais, motivacionais, relacionais (relação professor-aluno por exemplo) e educativas (qualidade dos programas educacionais por exemplo). Numa sala de aula podemos encontrar, com frequência, alunos com DA. Se trata de estudantes que estão vivenciado um doloroso processo de separação dos pais e que por isso apresentam baixo rendimento naquele período educacional; alunos que não apresentam afinidade com o professor da disciplina e muitas vezes transformam essa situação numa resistência ao estudo da disciplina e alunos inseridos em escolas que não apresentam infraestrutura adequada para os estudantes aprenderem, por exemplo. Os distúrbios de aprendizagem correspondem a uma disfunção do sistema nervoso central, cuja falha afeta o processo de aquisição e de desenvolvimento das habilidades escolares. Transtornos de aprendizagem (TA) envolvem alterações neurofuncionais, ou seja, são causados por uma organização diferente do cérebro, determinada geneticamente, tais como a dislexia, a discalculia, o transtorno de déficit de atenção e hiperatividade, entre outros.

7. O que diz a legislação sobre a inclusão de alunos com déficit de aprendizagem?

De acordo com a Lei Brasileira de Inclusão (Lei 13.146/15), todas as pessoas com deficiência têm assegurado o direito de acesso a um sistema educacional inclusivo em todos os níveis, ao longo de toda a vida, de acordo com suas características, interesses e necessidades de aprendizagem. A legislação conceitua pessoa com deficiência como aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.  Sendo mais específica, pode-se dizer que a lei Brasileira de Inclusão prevê, quando necessário, a possibilidade de fornecimento de profissional de apoio especializado (mediador) para auxiliar o professor regente na inclusão do aluno na classe, seja proporcionando os meios pedagógicos adequados ao desenvolvimento da criança, seja servindo como ponte para compreensão das necessidades deste aluno. Além disso, pressupõe a elaboração de um Plano de Desenvolvimento Individual (PDI) para que sejam traçadas todas as estratégias pedagógicas necessárias aos alunos a serem incluídos, tais como a utilização de tecnologia assistiva, métodos de avaliação específicos, formas diversas de transmissão de conteúdo programático que sejam eficazes ao aprendizado e demais mecanismos de inclusão, devendo tal plano ser revisto periodicamente apontando os avanços e desafios a serem atingidos.

 

 

Conheça a professora Flávia Lage Pessoa da Costa

 

 

Flávia Lage Pessoa da Costa é licenciada em Ciências Biológicas pela UFMG, especialista em Ensino de Ciências e Biologia pela PUC Minas, mestre e doutora em Medicina Molecular também pela UFMG. Tem experiência nas áreas de medicina molecular, farmacologia e neurociência, atuando principalmente nos seguintes temas: neurotransmissões, mecanismo de ação de drogas, neuroproteção, sinalização intracelular de cálcio, neurofisiologia do aprendizado, transtornos de aprendizagem e neurociência educacional. É professora e coordenadora da área de Ciências e Biologia na Educação Básica (rede privada), lecionando para ensino fundamental e médio. É professora da PUC Minas e coordenadora do curso de pós-graduação em Neurociência e Educação: bases neurofisiológicas do aprendizado. Dedica-se à formação continuada de professores de educação básica, das redes públicas e privadas, com enfoque neurocientífico. É autora de questões de concursos públicos na área educacional, palestrante e parecerista de revista científicas educacionais.

Boletim produzido pela Assessoria de Comunicação da Diretoria de Educação Continuada da PUC Minas

imprensaiec@pucminas.br | (31) 3131-2824